Um Doce Reencontro

Belvedere Bruno

Marcos sempre me pareceu uma pessoa encantadora e nunca entendi a razão de ter sido, por tantos anos, escondido do mundo devido a um "déficit neurológico" , conforme palavras de seus pais. Deveria, sempre pensei, ter tido acompanhamento de profissionais adequados, para que se integrasse à sociedade e não ser banido dela, a pretexto de não exacerbar seu problema devido aos estímulos vindos de fora do casulo onde o encarceraram. Enfim, coisa prática, de quem não quer ter trabalho ...Ou não seria nada disso, e sim, pura desinformação dos pais ?
Muitas vezes, me pego em julgamentos que, bem sei, podem ser equivocados, precipitados, maus. Mas confesso que, em se tratando de Marcos, até hoje não consigo entender por que não poderia receber os estímulos da vida, se fora feito para ela. Em várias ocasiões, quis sair com ele, levá-lo à praia, ao cinema, festinhas de aniversários, mas a resposta dos pais e irmãos era a mesma: - Não! Ele se excita demais e não conseguimos controlar depois . E assim a vida passou: Marcos vivendo no casulo, entre jogos de dama, víspora, escrevendo cartas para os de casa, vizinhos, e olhando a vida através da janela; a vida da qual o privavam de viver em plenitude.
Ontem, após mais de vinte anos sem notícias, surpreendi-me ao vê-lo, já com os cabelos brancos, a caminhar no Campo de São Bento. Ao seu lado, Miriam , amiga da família de longa data, confirmava o que dizia em plena juventude - "Quando os pais de Marcos morrerem, fico com ele; não vou deixá-lo viver fechado assim, não ..." Sorridentes, ambos contaram as novas: moravam juntos há um ano e meio, numa casinha de vila, pertinho do Campo e, diariamente, faziam esse passeio. Marcos me pareceu animado, ótima aparência. Claro que não estava curado de seu "déficit neurológico", mas parecia adaptado à vida aqui fora. Perguntei se ainda jogava víspora, escrevia cartas, e ele balançou a cabeça negativamente, dizendo que agora ia ao cinema, a festinhas, viajava, e que sua vida era alegre. Em plena maturidade, as portas haviam sido, enfim, abertas . Não tive tempo para mais perguntas, pois ele estava ansioso para prosseguir. Sorri, e os abracei . - Que alma pura a do Marcos ! - pensei.
Emocionada, observei ambos caminhando rumo ao portão de saída. Ele tinha na mão vários brigadeiros e os saboreava com incontida alegria; ela o olhava com tamanha doçura que comecei a refletir sobre as voltas que a vida dá, seus insondáveis caminhos. Ao longe, o som da música "Você é luz, é raio, estrela e luar...", me dava a impressão de que a vida é bela.


Música -Wando - "Fogo e Paixão".