"Como você é meu amigo(a) não pode ser meu namorado(a)"

Gostaria de escrever algo sobre uma questão que creio estar comum atualmente. Se talvez não seja algo atual pelo menos notório. Ou se ainda assim não concordarem comigo, que é algo notório, digo, algo que me incomoda. Aliás, gostaria de fazer esta ressalva desde o início: não estou escrevendo algo baseado em pensadores, em teóricos e suas teorias; escrevo por que é algo que vejo acontecer e parece-me ser negativo, parece-me ser algo inumano, ou seja, parece que está se negando neste ato aquilo que pretensamente colocaria o “Homo Sapiens sapiens” como espécie superior às outras, o raciocínio.Passemos ao assunto.

Está muito comum a afirmação: “Não posso ter um relacionamento afetivo com você, pois você é meu amigo(a)”. Ora, esta afirmação me parece um tanto estranha, excluindo-se apenas uma situação aonde ela parece-me justificável. Seria a seguinte: duas pessoas criam laços de convivência tão estreitos que sublima-se o desejo sexual numa imensa cumplicidade, às quais as pessoas hoje, injustamente, atribuem valor maior que um relacionamento afetivo-sexual.Uma amizade vale(ria) mais que um namoro. Isso nos conduz ao pensamento de que o meu namorado(a) não é meu amigo(a). É sobre isso, precisamente, que estamos falando. Voltemos ao primeiro raciocínio, à estranheza que a afirmação inicial nos trás. “Vejamos: a conclusão lógica de “Não posso ter um relacionamento afetivo com você, pois você é meu amigo” é: “Se você não fosse meu amigo poderíamos ter uma relação afetiva” ou, em uma afirmativa menos forte “ se fôssemos menos amigos, poderíamos ter uma relação afetiva.” Segundo o dicionário “Priberam” de língua portuguesa ‘amigo’ é: “ 1. Que sente amizade por. 2. Que está em boas relações com outrem. 3. Simpático. 4. Propício, favorável.5. Pessoa à qual se está ligado por uma afeição recíproca. 6. Partidário. 7. Amásio.” Notamos que amigo encerra em si qualidades de que se diz muito ser necessárias a uma boa relação como simpatia, boas relações, afeição.Além disto um dos significados é amásio, que é o concubino, ou seja, alguém que tem um relacionamento afetivo com alguém. Notamos que amigo é alguém que se conhece bem, que se atribui alguma confiança e pode significar, segundo o dicionário, até mesmo a pessoa com quem temos um relacionamento afetivo-sexual.Voltaremos a este ponto daqui a pouco.Continuemos.

O que nossa sociedade espera do outro atualmente? Ao que me parece o outro, hoje, tem que ser possuidor de algo que me satisfaça. O outro existe para me satisfazer. O outro tem que dispor de qualidades que eu desejo, não respeitando a individualidade dos seres humanos. Há necessidade de um padrão, o meu padrão, que o outro tem que passar a seguir sob pena de não ser visto, de ser um ‘não-ser’. A expectativa é sempre do outro para mim e nunca de mim para o outro. Com esta perspectiva do outro as pessoas esperam que “algo as toque”, que algo “mágico”, um “feitiço” do outro conquiste a atenção de imediato para que elas tenham algum interesse. Não admitem ou pensam que o interesse por outra pessoa poderia surgir gradativamente a partir do conhecimento das virtudes e mazelas do outro, o outro tem que ser possuidor de um algo-pronto. Parece-me típico da nossa cultura do exibir-se, do parecer-se. Porque o outro não tem que ter as capacidades escondidas, antes parecer que as tenha do que realmente as ter. “À mulher de Cezar não é necessário que seja honesta, tem que parecer honesta”.

Se perguntarmos à maioria das pessoas quais atributos desejam nas pessoas com as quais querem se relacionar afetivamente com certeza as respostas serão: honestidade, compreensão, afetividade, companheirismo. Ora, não são estes justamente os atributos de um amigo? Pode alguém trazer inerente a si uma aparência, uma essência, um algo mágico que transmita, apenas no olhar (nosso para o outro), todas as qualidades acima buscadas? Sabemos que muitos psicopatas possuem este algo mágico neles... E com isso atraem suas vítimas para a morte. Logo, parece-me ser uma questão muito difícil de ser entendida de maneira racional essa questão de uma essência inerente ao outro que o faz possuidor da capacidade de ser desejável. Vamos supor, para a continuidade deste texto, que este comportamento das pessoas ao buscar esta pretensa essência seja perigoso e falso até porque não pretendo ser o arauto das maneiras de se comportar do ser humano.

Então: ou as pessoas estão buscando uma essência que elas acreditam existir ( e que acabamos de supor ser falsa) ou as pessoas não buscam as qualidades que dizem querer, no entanto as reafirmam sempre por serem socialmente mais aceitáveis. Creio ser esta última opção, plausível. Explico. Se não se aceitam como válido o conhecimento mútuo, pois a atração deve ser imediata, e como sabemos, por inúmeros exemplos, que as aparências enganam, isso nos indica que as qualidades não devem estar sendo levadas em conta, elas pouco importam atualmente, se é que algum dia importaram. Se uma pessoa não tem as qualidades desejadas a princípio, mas tem a capacidade de despertar um sentimento imediato isso passa a ser o importante. O que me atrai no outro é um egoísmo de sentimentos. Não dou margem ao outro ser como ele é. O outro tem que ser como desejamos que fosse. Ou seja, toda a história de que se quer alguém que tenha as pretensas boas qualidades e princípios é, por fim, um fingimento.

Laanardi
Enviado por Laanardi em 28/05/2010
Reeditado em 09/03/2011
Código do texto: T2285338
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