Relativo Absoluto.

Outra tarde chegou ao final, marco incontestável do dia que se finda. A noite já a espreita está por chegar e se deixar esquecida entre tons reluzentes que aos poucos vão se desfazendo no firmamento.

Uma saudade entristecida ( sim porque saudade também pode ser alegre) vai se chegando mesmo sem ter sido esperada/ convidada/convocada. Sim, é triste por trazer á tona algo que não foi vivenciado com intensidade, com calor. Ainda que resultasse em lágrimas a atapetar o abismo enorme do sofrimento.

Não foi vivido e pronto,ponto. Mas não precisa ser final. Nunca precisa ser necessariamente o fim.

Não foi possível secar as lágrimas entrecortando sorrisos, não foi impedida por um afago ou depositada em um beijo terno de confortável afeto.

Não pode vivenciar as ansiedades da espera pela chegada daquele que certamente iria transformar sal em sol, noite em penumbra/ nuance certa para as silhuetas dos corpos estendidos no macio leito após se redescobrirem sempre á cada novo toque, á cada beijo que surgiria como que para matar a expectativa da vinda e da inevitável partida.

Sim, sabia com toda certeza do mundo que o medo é o desejo ao avesso em alguns casos como aquele em que estava inserida. Mas e daí?

Havia muito se amortizava tentando não tentar, querendo não querer. Gritando para si mesma em pleno silêncio que não o queria, mas que ele era tudo aquilo que mais queria. Um paradoxo, uma verdade cheia de confusão e uma confusa realidade que assolava seu íntimo.

Um dia se encheu de emoção e deixou a razão ( quase toda) de lado, se vestiu, olhou no espelho se olhando para que ele a visse...Para que ele reconhecesse nela sinais de algo que nem ela admitia ter que tomar como verdade.

Gostava dele com seu jeito sedutor, mas se entregou a esse sentimento de desejo intenso quando o teve ( e se viu) envolto em um abraço, corpo com corpo, coração gritando para coração quase explodindo o que estava prestes a implodir em cada um.

Percebeu que o homem sedutor que era virou um adolescente inseguro e incerto do que fazer á partir dali e meio que perdido segurava suas mãos, apertava outro abraço e ao mesmo tempo que não queria que se perdessem precisava que se fossem, ao menos naquele momento, talvez para pensar melhor, talvez para não ter que pensar.

Naquela tarda ela se perdeu ( ou se encontrou) de si mesma e totalmente sem rumo, " sem pódio de chegada" andou pela tarde outonal de inverno, que parecia ter sido confeccionada a mão para deixá-la ainda mais entontecida. Sentia-se drogada de tanto afeto, entorpecida de tanto desejo já incontido, mas com a educação e sobriedade que se devia.

Esteve tão fragmentada e tão completa em frações ínfimas de tempo, chegou a sentir o corpo se queimar em uma combustão de insaciável tesão e quese pode tocar seus lábios. Viu em seus olhos e ouviu como que tragando lentamente para sorver mais fundo cada palavra a que pudesse se agarrar em momentos como o presente, de saudade.

O cheiro, o toque, a voz e a vez de esperar e querer e por tão pouco não obter. As palavras contidas ditas de forma incontida em um momento de explicação a ela e a si mesmo. Sentimentos que aproximam e que por isso mesmo são capazes de afastar.

Mas agora estava sendo pior, o que antes era uma perspectiva do toque, do cheiro e do calor, agora já fora vivenciado e a deixava ainda com mais vontade e a cabeça cheia de questões e nenhuma resposta, afinal, não queria/podia raciocinar, queria apenas curtir, nem que fosse apenas na lembrança ( que para sempre ficará aquecida e aquecendo) o que foi até então seu maior encontro/ encanto com aquele ser.

Sabia com toda certeza que voltaria a se encontrar com ele, já não sabia como seria. Se o momento seria de um breve adeus ou de um eterno agora. Mas de uma coisa não duvidava: iria se agarrar a essa oportunidade e respirar junto o mesmo aroma, pulsar novamente o mesmo encontro de batimentos cardíacos e encostar-se em seu peito para nascer daquele instante e se reforçar/ reformular para os outros dias menos festivos, como este final de tarde onde só a lembrança restou e sendo ela tudo o que se tem, ir até a última gota da taça.

Sim, iria tentar esquecer ou lembrar o que poderia ter sido que tivesse sido, ou imaginar o que será, se vier a ser. Penumbra/ incenso/ flores/velas/espuma e dois seres que apesar do receio, pudessem se encontrar em si e se esquecer de si, á dois. Brindando com vinho, água, beijo ou apenas suor de troco menor depois de se amar, se desvendar em carne o que já se antevia em alma.

Ter o que apalpar na memória e renovar á cada dia de forma concretamente abstrata e tendo por relativo o absoluto. Ser um enquanto dois, amar e se entregar infinita e enlouquecida ou talvez mais sóbria do que nunca.

Mas é fim de tarde e a noite já vem nascendo, deixando acesa na mente uma lamparina tosca e trêmula de saudade e tristeza, de abandono em si e de muita entrega esperando para ser remetida/ recebida e muito bem usada para um dia talvez, ser uma enorme e palpável saudade concreta que pode ser " desconstruida" e reconstruida entre dois fortes e deliciosos abraços.

Márcia Barcelos.

20 de março de 1991.

Márcia Barcelos
Enviado por Márcia Barcelos em 28/05/2010
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