DESABAFO
Se eu acreditasse em Deus...
Pediria mais algum tempo.
Para que eu pudesse abraçar os meus amigos. E dizer-lhes o quanto os amo.
Ouviria mais e falaria menos. Pois quando proferimos palavras, sem querer magoamos a outrem.
Acordaria mais cedo e dormiria mais tarde.
Faria menos planos e realizaria mais. Pois cada minuto a mais de planejamento é um minuto a menos de realização.
E em minha miserável condição de títere, dormiria menos. Ficaria de vigília enquanto outros dormem. Pois cada minuto de sono são 60 segundos a menos de luz.
E em minha condição de trapo descartável, agradeceria mais, pediria mais por favores, desculparia e perdoaria mais.
Seria mais tolerante e ajudaria mais ao próximo.
Abdicaria do orgulho e da arrogância. E seria generoso como jamais fui.
Deitaria ao sol, permitindo que inundasse minha alma de luz. E jamais amaldiçoaria o calor.
Se eu acreditasse em Deus...
Acreditaria que me fez imperfeito. E se cometo erros e desatinos, a Ele também cabe a culpa. Pois me criou imperfeito, passível de erros.
Se eu acreditasse em Deus. O julgaria um ser egoísta. Pois justamente quando começamos o aprendizado, já é hora de partir.
Se os anos passam tão depressa e os sucessos são poucos. E no alvorecer da existência. Justamente no momento em que começamos a compreender o significado de tudo...
O ventríloquo corta os liames.
E relega a sua antes animada marionete. À condição de trapo descartável.
E ainda nos faz acreditar que teremos uma nova oportunidade.
Portanto, no pouco tempo que me resta...
Abraçarei os meus filhos. E os farei acreditar o quanto os amo.
Abraçarei meus amigos e pedirei desculpas por minhas negligências. E lhes direi o quanto são importantes para mim.
Não quero que lamentem a minha partida.
Porque se Deus existe: estarei esperando por eles.