Flagrante de um bailado popular
Em 1938, o Departamento de Cultura da cidade de São Paulo enviou um grupo de pesquisadores ao Norte e Nordeste do Brasil em pesquisa idealizada por Mário de Andrade, então Diretor do Departamento. Batizado de Missão de Pesquisas Folclóricas, o grupo formado por Luís Saia, Martin Braunwieser, Benedicto Pacheco e Antônio Ladeira tinha por objetivo registrar nossos cantos e danças. De fato, entre fevereiro e julho daquele ano a equipe gravou, fotografou, filmou e estudou as melodias que homens e mulheres usavam para trabalhar, se divertir e rezar.
Essa expedição veio a Itabaiana colher material sobre nossa cultura. Isso foi entre 23 de março e 30 de maio, portanto há 72 anos. Foi na ocasião que o fotógrafo da equipe, Luiz Saia, fez esta foto de um grupo de moradores da zona rural de Itabaiana dançando o coco de roda.
Mário de Andrade travou, portanto, conhecimento com nossa identidade cultural. Entre palmas de mão, esse folguedo foi registrado em sítio de Itabaiana. A zabumba e o ganzá chamando para a dança do coco, o ritual lúdico de corpos e ritmos, uma das raras atividades de lazer dos nossos antepassados campesinos. Seus cantares perderam-se nos toscos equipamentos de gravação de áudio daquela época, suas identidades jamais serão dadas a conhecer. Esses anônimos brincantes itabaianenses ficaram apenas na foto de Luiz Saia, essa que publico na capa do meu livro “A Voz de Itabaiana e outras vozes”.
O coco de roda é originário de Alagoas, conforme ensina o mestre Altimar de Alencar Pimentel, e foi introduzido na Paraíba a partir de Cabedelo. No começo do século, muita gente de Itabaiana foi atraída para Cabedelo, para vender produtos na feira, pescar ou trabalhar no porto, incluindo aí o serviço restrito à zona boêmia, destino do grande bandolinista itabaianense Artur Fumaça, animador em casas noturnas e cabarés da cidade praieira, com músicos da qualidade de Canhoto da Paraíba e Wilson do Bandolim.
Um itabaianense iluminado certamente trouxe a dança e a música do coco de roda para cá. Filhos e netos continuaram a tradição, que se instalou na zona urbana, sendo um dos mestres do folguedo o grande Pabulagem, devotado brincante que conheci na Rua das Flores.
Na foto, confirma-se a presença acentuada de negros e mestiços nessa dança democrática. Altimar afirma que não há data certa para a apresentação do folguedo durante o ano, mas é característico do ciclo junino. A foto foi tirada entre abril e maio de 1938. Folguedo de espírito comunitário, vê-se homens e mulheres na roda, de idades diversas. Dança do povo por excelência, representa na capa do meu livro o objetivo desta despretensiosa obra, que é focar a alma e a cultura de minha gente.