Estátuas e monumentos
                     abandonados





    Andando por este mundo de meu Deus, cruzei com dezenas de estátuas e monumentos.
     Em Edinburgo, por exemplo, três dias foram suficientes para descobri-las e descobri-los, nas ruas e praças. Um detalhe: elas e eles estavam mui bem-tratados.
    Cheguei até a caçoar com os companheiros de viagem dizendo-lhes que, na gelada capital da Escócia, só não vira um monumento ao uísque e nem uma estátua do Jonnie Walker.
    Para, em seguida, admitir que ele e ela poderiam estar em Glasgow, a capital do uísque, bebida que não "apriceio"; nem que me provem, por A + B, a sua procedência escocesa. 
     Em Paris, do mesmo jeito: impressionante como os parisienses zelam por suas estátuas e seus monumentos. 
      Aponto como expressivo exemplo a estátua de Joana d`Arc, que o leitor poderá admirá-la e até tocá-la ao passar pela Place des Pyramides, a caminho do Louvre.
     Conheço-a desde 1980, quando estive pela primeira vez em Paris. 
     Ano passado, em outubro, voltando à capital francesa pela quarta vez, visitei-a demoradamente, após tomar um cafezinho caríssimo na Rivoli.
     Ela permanece linda! O seu dourado parece, a cada instante, tornar-se cada vez mais fulgente!
     Estátuas e monumentos, tratados com igual respeito, também os encontrei na educada Santiago do Chile e na dançante Buenos Ayres do Gardel.
     E em Salvador, como estão suas estátuas e seus monumentos?
     De acordo com o jornal A Tarde, de indiscutível credibilidade, elas e eles estão praticamente abandonados.
     Estampando na capa de um dos seus cadernos uma enorme foto da estátua de Castro Alves, o respeitado matutino baiano diz, em negrito, o seguinte: 
      "Expostos ao sol e às intempéries, vários monumentos  que representam a história da Bahia sofrem com a falta de manutenção e mostram sinais de deterioração."
     E mais adiante: "Criados à imagem e semelhança de poetas, heróis e personalidades históricas, dezenas de monumentos públicos de Salvador exibem sinais de abandono..."
     Os que só conhecem a Salvador dos frenéticos e permissivos carnavais, que não vai além dos três circuitos da folia, talvez ignorem que esta cidade também tem suas estátuas e seus monumentos, justificando sua cultura e contando sua história.
     Acompanhando a matéria de A Tarde, lembro aos de casa e aos de fora, que alguns desses monumentos e estátuas - para não desaparecerem definitivamente - estão precisando, com urgência máxima, de uma competente manutenção.
     Dou alguns exemplos.
     Na Praça da Sé, o busto do bispo dom Fernandes Sardinha está com o seu letreiro "sujo e arranhado".
     Quem foi esse prelado? O primeiro bispo do Brasil e, consequentemente, o primeiro bispo a dirigir a hoje Arquidiocese de Salvador, idos de 1551.
     No lago do Tororó, estátuas dos doze Orixás, tamanho normal, obra do artista plástico Tatti Moreno, flutuam, tranquilamente, encantando quem por lá transita.
     Sobre as águas do Tororó, estão Iemanjá, Nanã, Oxum, Iansã, Xangô, Oxalá, Logunedê e Ogum. E nas suas margens, Eobá, Oxumaré, Oxossi e e Euá.
     Lembra A Tarde, que "a escolha e a posição dos Orixás (isso é importante) foram aconselhados pela Ialorixá Mãe Stela de Oxóssi."
     Na Bahia, ninguém - nem os que aqui chegam e aqui ficam, como este escriba - ninguém deixa de reverenciar essas exuberantes entidades do Candomblé.
     Pois bem, deixa claro a reportagem, que eles estão necessitando de um tratamento especial por parte das autoridades soteropolitanas. 
     A Cruz Caída, um monumento que faz o Centro Histórico mais bonito. Ela lembra a demolição da Sé Catedral, no século passado, para dar passagem - pasmem! - os bondes de Salvador.
     Também está a merecer cuidados especiais. Do seu pé, vê-se a encantadora baia de todos os santos, inclusive a Igreja do Senhor do Bonfim.
    O Monumento ao 2 de Julho. Erguido numa das mais bucólicas praças de Salvador, o Campo Grande, esse monumento homenageia os heróis da Independêcia da Bahia.
     Sim, porque no dia 2 de julho de 1823, os baianos expulsaram o resto das tropas portuguesas, consolidando a independência do Barsil.
     Há quem advogue substituir o 7 de Setembro pelo 2 de Julho. Esse imponente monumento pede um tratamento melhor.
     Na Praça Castro Alves, onde a folia momesca é mais intensa e borbulhante, estão, esquecidos, os bustos de dodô e Osmar.
      Eles não estão ali por acaso, Dodô e Osmar são os criadores do trio elétrico, atração maior do carnaval da Bahia. Sem os trios, o carná de Salvador não seria nunca o que é hoje.
      Tanto isso é verdade, que Caetano, num belo frevo, declarou: "Atrás do trio eletrico só não vai quem já morreu!"
      Esses bustos precisam ser bem tratados para que Dodô e Osmar continuem animando o carnaval de Salvador, que - pasmem! Outra vez ? - dura uma semana.
     Finalmente, o Monumento ao Poeta Castro Alves, no coração da cidade, onde colocaram seus restos mortais.
     Vejam o que diz A Tarde: "Símbolo da causa abolicionista, o escravo localizado na base da coluna que sustenta a estátua de Castro Alves, na praça que tem o nome do poeta, perdeu a mão esquerda. Especialistas afirmam que é a segunda vez que isso acontece."
     O poeta de "Vozes d`Africa" um dia versejou: " A praça é do povo como o céu é do condor!"
     Quis, portanto, que a praça pública fosse a expressão legítima da Liberdade.
     Ficaria, porém, muito chateado se soubesse que alguém, da sua negra Salvador, desrespeitando seu mausoléu, arrancara a mão do escravo que ornamenta seu monumento. E para quem ele escrevera um dos seus mais extraordinários poemas: "O Navio Negreiro".






 

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 26/05/2010
Reeditado em 17/10/2020
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