LEITE DE ROSAS
Rômulo gostava do tio, mas não poderia excluí-lo das traquinagens. Pintara de branco as costas do paletó do pai, tirara o freio da bicicleta do irmão, enchera de ratos de esgoto o carro da mãe, passara cola na cadeira da professora, jogara o gato na máquina de lavar, transformara em confetes as contas de água, de luz e de telefone, acrescentara detergente ao refrigerante do namorado da irmã, infestara de baratas o sofá da vizinha e danificara o varal de uma amiga da mãe. Até a avó Rosângela, lindos cabelos loiros em franja, acordara com os pés repletos de sapos!
O tio conhecia bem o sobrinho e, antes de beber, de comer, de vestir ou de usar, verificava criteriosamente objetos, roupas, acessórios, ferramentas ou alimentos. Se soltasse um peixe elétrico na piscina? Sem chances. Um cachorro do mato na biblioteca? O tio o expulsaria aos chutes. Um balde de água na porta, óleo no chão de madeira, pregos pequenos na poltrona favorita, alarme de incêndio quando estivesse no banheiro?
O tio abandonara o creme e o aparelho de barbear em cima da mesa para atender o carteiro que, pacientemente, marcava um “x” nos lugares em que o destinatário deveria assinar. Rômulo lembrou-se que o tio sempre usava “Leite de rosas” após a barba.
Quando entrou na cozinha, a avó Rosângela teve a impressão de sentir a fragrância de “Leite de rosas” e estranhou que a garrafa de pimenta malagueta, comprada na véspera numa promoção do supermercado, estivesse vazia.
*Publicado originalmente na "Folha de Londrina" (Londrina – PR) de 26 de maio de 2010.