Memórias de uma cética sentimental

Desacreditei do tempo. Ele voa demais para que alguém possa senti-lo, saborea-lo, deliciar-se. Ele voa e leva o sorriso daquela amiga, o olhar de quem se gosta, o perfume que marcou. Mas ele também pára. Pára na aula chata, no trânsito... Pára na dor, no pranto. O tempo é uma agulha que vai desenhando uma história na

pele e de repente estanca. Sangra. E dói. Só ele apaga es

sa dor.

Desacreditei do espaço. Hoje pertenço a este lugar, amanhã a outro. Hoje me sinto em casa, ontem não era bem assim. Alguns têm espaço suficiente para construir uma vida, cimentar cada tijolo e uni-los. Outros levam a vida escolhendo a argamassa. Se a casa é onde mora o coração, é uma pena que os corações não batam na mesma sintonia.

Desacreditei do amor. Ele ludibria, trapaceia

, mente, mata. Ele te deixa em um êxtase quase narcótico. El

e te droga. Faz ver o ser amado em tudo, te leva à alegria excessiva. Mas você descobre que não ama o ser e sim o ideal. O ideal de alguém que se forma na mente, mas aí o príncipe não usa a cela correta e cai do cavalo, com ele o brasão da realeza se quebra e no fim você acaba descobrindo que o título era fajuto.

Desacreditei das pessoas. Elas são capazes de tudo para derrubar uns aos outros. Elas brigam, matam, roubam, vivem. Elas sentem ciúme e estragam amizades. Elas pensam possuir umas as outras quando, no fim, não possuem o próprio coração que acabará entre as minhocas da terra. Elas enganam e manipulam. E o pior! Elas crêem

no tempo, procuram seu espaço e distribuem declarações de amor antes mesmo de ter certeza do ritmo no qual bate o coração.

Desacreditei do próprio coração. Este é vítima frequente da inveja, ciúme, prepotência dos outros. E, principalmente, ele não sabe amar. É irracional.

Desacreditei do cérebro. É racional demais. Formula hipóteses e procura consequências. Tenta prevenir dos males vindouros. Ou simplesmente maquina sem parar atrás de uma forma de fazer mal a alguém.

Acreditei no tempo. Apesar de não apagar as cicatrizes, apaga a dor.

Acreditei no espaço. Um dia se acha o lugar onde se pertence.

Acreditei no amor. Há várias formas de amar. O carnal pode ser efêmero, mas é intenso.

Acreditei no coração. Não é pecado amar. Pecado é ter medo de ser amado.

Acreditei no cérebro. Evita dores e articula a vida.

Não me peça pra acreditar nas pessoas.

Wânyffer Monteiro
Enviado por Wânyffer Monteiro em 25/05/2010
Código do texto: T2279913
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