ABORIGINÊS FLUENTE
No meu currículo consta que tenho inglês intermediário. A questão é: intermediário entre o quê? Se intermediário é o mesmo que saber traduzir red e strawberry, está certo – sou intermediário. Acima de strawberry (que significa morango, caso você se encontre ainda no nível básico e não saiba), ou seja, adiantado a ponto de saber a tradução de fruta do conde, bergamota e cupuaçu, já considero nível avançado.
Infelizmente, só tenho nível intermediário em inglês (além de outras coisas, das quais tenho vergonha de comentar neste horário). Gostaria de ser, digamos, mais avançado; ou de estar no intermediário em outras línguas também, como espanhol, alemão, italiano, francês e aboriginês (nem sei se é assim que fala, mas queria aprender só porque gosto daquela dancinha da guerra que eles fazem). Imagine só! Mais: vai me dizer que não seria legal se, além de intermediário, conseguíssemos chegar ao nível avançado em todas elas? Melhor ainda: e se atingíssemos uma, atualmente, impensável e abrangente fluência?!
No momento só sou fluente em português, mas apenas no presente do indicativo. Nos demais, varia: futuro do presente, intermediário; pretérito perfeito, avançado; pretérito mais-que-perfeito, nem básico, só com Google Translate (ou seria dicionário?). Porém, descobri um método infalível de conversação, seja na língua que for. Explica-lo-ei (ah louco, isso que é mesóclise fluente!).
Primeiro, é bom deixar claro que ele funciona melhor à noite, num boteco. O porquê, não sei, só sei que é assim – como diria o Chicó. Começa com os três primeiros copos de cerveja. Neste estágio, já se é possível ler um texto simples, daqueles onde não constam figuras de linguagem. Do terceiro copo em diante, já somos capazes de compreender e analisar uma tese de doutorado sobre a obra, e a intenção psicossocial que ela esconde, de Shakespeare.
Caso queira ter evoluções apenas na língua inglesa, a cerveja, por si só, já é suficiente. Agora, se quiser enveredar por outros idiomas, é bom ir para doses mais elevadas. A vodka é um bom exemplo; principalmente se quiser aprender russo. Prefere espanhol? Então indico o rum. Ah, você é descendente de japoneses? Então, no seu caso, ministramos saquê. Ou seja, é um método detalhado, direcionado, exclusivo, eficaz e surpreendentemente divertido.
Eu mesmo já pratiquei diversas vezes (ou acha que eu indicaria a meus leitores coisas das quais eu próprio não experimentei?). O único problema dessa técnica é a sua efemeridade. Ou seja, no dia seguinte, na ausência do material didático-alcoolico, não lembramos muito bem da estrutura dos dialetos, temos dificuldades em recordar o vocabulário e não mantemos a mesma naturalidade na conversação.
Mas não desanime, o importante é o entendimento durante a conversa. E isso sempre acontece com esse método – pelo menos da minha parte. Certa vez, usando tal procedimento boteco-etílico de conversação, bati altos papos com um inglês. Ele falava alguma coisa e eu respondia “Yes”. Caso não concordasse com a impostação com que ele fazia a pergunta, mudava a resposta: “No”. Se ele insistisse no papo, eu emendava de maneira mais completa e marrenta: “yeah, man”. O fato é que eu entendia T-U-D-O o que ele dizia. Impressionante!
E como estava matando a pau, já me sentindo apto a me tornar tradutor na ONU, decidi demonstrar meu apreço pela cultura do país do gringo e abusei dos meus conhecimentos, sapecando uma sequência de perguntas clássicas – e pertinentes, é bom que se diga – presentes nos históricos textos de Monty Python and the Holy Grail; um exemplo nato da mais rica cultura bretã (se não sabe do que estou falando, vai ao youtube):
Beto: What is your name?
Inglês: Sir Galahad of Camelot
Beto: What is your quest?
Inglês: I seek the Holy Grail.
Beto: What is your favorite color?
Inglês: Blue. No Yello… iearghhhhh…
Juro que não sei o que aconteceu. Só sei que o cara foi arremessado aos ares e nunca mais vi o inglês.
Noutra oportunidade, troquei figurinhas com uma argentina. Gente boa, mas com um cabelo muito esquisito. Neste dia eu ataquei de rum, para interagir melhor, mas não adiantou muito. O problema é que ela falava rapidíssimo – é o mal dos argentinos (e dos catarinenses, principalmente os da ilha) – e eu precisei dar um gás para acompanhá-la. Tomei mais uns dois goles e, quando dei por mim, ela já me deixava para retardatário; “hola, cómo estás, tal vez si, tal vez no, me encanta, me gusta mucho, pero com usted no hay peligro e taratatatá...”
Bom, também nunca mais vi a argentina.
Enfim, quero dizer que estou abrindo novas filiais e em breve teremos franquias espalhadas pelo mundo difundindo este método que, se não for o mais perfeito, serve a todas as línguas, além de ser o mais acessível e prazeroso. Hasta la vista!