E a poesia, pra onde vai?
Na Europa do século XVIII, centenas de pessoas, não sei bem, deram cabo da própria vida quando leram Os Sofrimentos do Jovem Werther, obra-prima do poeta alemão J.W. Goethe. Confesso publicamente: tenho medo que algum leitor leia algum poema meu e faça o mesmo.
Agora mesmo acabo de escrever um poema que mais parece um convite ao suicídio do que propriamente poesia. Não publiquei e não sei se publico. Além de triste, o poema me pareceu ruim, não oferece nada. Alguns versos resumem o tom que domina toda a poesia:
"Não guardo palavras de consolo, severamente nenhuma!
Não colhi na amargura do instante a menor gota de orvalho!"
Palavras corrosivas? Melancólicas? Não! Palavras displicentes de um poeta displicente! Não sei se é justo jogá-las sobre os ombros de tanta gente, penso nas pessoas que podem de repente ler essas palavras. Afinal, podem elas ser o último empurrão que aquela moça triste estava esperando pra se lançar definitivamente pela janela.
Não. Não quero que ninguém pense que a vida é uma merda por causa de umas palavras displicentes. Mas também, por outro lado, não quero ser um irresponsável comerciante de ilusões baratas. Isso é o que não falta, pode-se comprar ilusões parceladas em 15 vezes, sem juros, no cartão de crédito; chovem promoções, liquidações a todo momento, ilusões para todos os gostos e idades atrás de qualquer vitrine. O destino que pretendo dar as minhas palavras é outro.
Quero que minhas palavras despertem na alma das pessoas uma reflexão sincera e corajosa sobre a vida. Que seja ao menos uma pequena revelação, qualquer coisa que pegue o leitor de surpresa num dia comum. Que faça resplandecer nas faces daquela moça triste um sorriso, pelo menos um tímido sorriso. O que não posso é escrever poeminhas afetados, muito menos Convites de Suicídio.
A Poesia, mesmo a mais triste, tem que oferecer alguma coisa de positiva, qualquer coisa que faça do homem um ser mais sensível e mais amoroso, não importa como. Para atingir essa finalidade o poeta não pode abrir mão de jogar baixo. Sim, golpes baixos são permitidos. Aliás, em poesia só são permitidos golpes baixos. É preciso aplicar aquela rasteira que tire o leitor (e o próprio poeta) da inércia, da letargia cotidiana, que levem-no ao chão, à lama, que faço-o sentir a admirável gravidade do mundo. É preciso, como dizia Bandeira, que a poesia traga a marca suja da vida.
Que a Poesia descubra de repente o coração esquecido debaixo da farda e das insígnias e das condecorações do Sr. General do 3º Batalhão, e que faça com que este de repente se descubra humano, que se veja de repente a altura do soldado, seu semelhante, seu irmão, que despreze as hierarquias, seus títulos, suas insígnias, sua farda.
E outra. A Poesia não pode servir apenas para os que dela se ocupam profissionalmente. Não pode a Poesia viver enclausurada somente nos livros didáticos nem nas pomposas sessões da Academia, sob pena de virar mero artigo de luxo, ostentação vazia de poetas decadentes.
A poesia, Senhores Poetas, deixemo-la voar, chegar mais perto, a poesia precisa alcançar, com toda urgência, aquela menina doente no último andar do hospital, aquele moleque que solta pipa no alto da favela e aquele General das Forças Armadas que está lá em cima, mais longe ainda, no alto de Sua Arrogância. Cumpre à Poesia o papel de dar a ver o mundo na sua vileza e na sua beleza, à pobres e ricos, à negros e brancos, a funcionários e bailarinas.
***