Memória do coração - BVIW
 
O locutor da rádio anuncia a música pedida por um ouvinte: Alegria, Alegria, de Caetano Veloso. Cantando-a junto com Caetano, sou transportada àquela época e surpreendo-me por saber a letra de cor.  Quando foi lançada, em 1967, eu tinha onze anos e, embora não alcançasse completamente o sentido do que a música dizia, sentia-me profundamente tocada por ela, que despertava em mim um anseio por liberdade e um incentivo para seguir em frente.

Sempre tive excelente memória, mas nos últimos tempos ela tem me pregado boas peças. Foi-se o tempo em que sabia de cor fórmulas de matemática e física, datas de acontecimentos históricos e outras informações que precisava decorar como estudante.
 
Algumas destas coisas de que eu não me lembro, caso precise posso consultar; de muitas outras não sinto a menor necessidade de saber.

Alegria, Alegria é de um tempo anterior ao das fórmulas, há muito tempo não a escuto e, no entanto, está completamente preservada na minha memória. Ao ouvi-la, abre-se um arquivo de lembranças que tem cor, cheiro, sabor... Os detalhes de situações vivenciadas e emoções antigas emergem intactas, plenas e vibrantes.

Sei de cor o que toca o meu coração e desperta a sua memória. Uma memória engendrada pelo afeto, incrustada de sentimentos e sensações que estão indelevelmente guardadas nele.

Lamento não ter a mesma memória de antes, esquecer pequenas coisas do dia a dia, não poder prescindir da agenda.

Contudo, por mais difícil que seja, posso esquecer tudo o que aprendi nos livros, desde que não esqueça o que foi escrito no meu coração.
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Saber de cor vem do Latim "cor, cordis" (coração). É saber profundamente, é saber do coração. Por isso, o Inglês fala em "know by heart", e o Francês em "savoir par coeur" - exatamente o mesmo sentido.