A mala está pronta...

DESCONHEÇO A AUTORIA

(naturalmente o(a) escritor(a) é português(a))

K.

A mala está pronta...

Talvez amanhã, ao acordar, o meu coração me diga se devo partir ou ficar.

Estou dividida. Tenho a mesma vontade de te ver como a de deixar ficar tudo assim, arrumadinho na memória como até hoje.

Eu sei que me queres aí. Sei que me queres ver rever e reviver. Mas até que ponto se pode pegar numa história passada e colocá-la no nosso presente com a mesma intensidade?

Sei que as lembranças te pregam partidas. Acontece-me o mesmo. De quando em vez, do nada, vens-me à memória. E volto lá atrás, a uma época em que o destino nos colocou no mesmo caminho. Mas foram dias, apenas dias e vejo-te a tocares a tua viola para mim, o teu dedilhar de emoção que tanto me enternecia. E ouço-te a cantar um fado. Até hoje, vê tu, quando ouço um fado me comovo, e penso em ti. Foste tu que me ensinaste a gostar.

Vejo-te de novo comigo e em mim. Vejo de novo a praia à noite, o teu toque, o teu olhar da cor do mar que te pôs na minha jornada. Recordo o teu sorriso, sempre suspenso,como tudo o que estávamos a viver. Recordo o teu cheiro. Acreditas? O teu cheiro que ficava entranhado na minha pele cinco anos depois.

E foi tão pouco tempo!

Como pode ficar alguém preso a nós, quando passou de raspão na nossa vida? Há as pessoas que são partes de nós, há as outras que partem de nós, e nós partimos, um do outro, tu para viveres uma vida, eu outra. Inevitavelmente as nossas partes partiram-se e partiram.

Olha para nós, agora. Cinco anos depois ainda a lembrar o outro. Olha para nós agora que tão poucas vezes nos falamos e vem assim um desejo de nos perdermos outra vez. Olha para ti agora a ligares, uma vez mais, a dizeres-me: vem. A fazeres o que sempre fazes quando a vida te maltrata,quando num misto de carinho e saudade pensas em mim. E eu sempre a dizer que não, que não posso, que não devo. Sempre a recusar mas sem nunca ter coragem para te mentir e dizer que não quero.

E continuamos assim, de longe, a gostar devagarzinho.

Um gostar de criança que nunca aprendeu a amar.

E olha para mim agora, outra vez, a ponderar se devo ou não ir.

Se quero ir ou não.

Por medo. Medo que depois a memória não continue com este carinho, que se altere depois de te ver outra vez. Olha para mim, agora. Dividida entre a vontade e o medo.

Não sabias, pois não? Nunca soubeste que aqui dentro pudesse existir o medo. Viste-me como mulher altiva, sempre. Mulher que corria pelos desejos sem reparar nos olhares que criticavam pela inveja de não terem a mesma coragem. Mulher corajosa. E hoje, olha para mim!.Sem saber se pego na mala e parto, para ir aí, ter contigo.

Como me verás agora? Aquela que conheceste só deixou aqui um bocadinho. E como estarás tu agora?

E se me perco? E se não quero mais voltar?

Talvez amanhã já saiba.

Hoje, rodopiam os pensamentos em mim.

Gosto-te, tu sabes.

Será este gostar suficientemente forte para arriscar a transformação de memórias?

E se tudo for de novo perfeito demais?

Talvez amanhã, ao acordar, saiba se devo e se quero partir. Hoje não. Hoje não sei...

Talvez amanhã

Sim, amanhã.

O ultimo combóio parte da estação às 2O:55h.