DOIS IRMÃOS
Eu achava que mandava nele. Na verdade éramos tão unidos e identificados nas brincadeiras e interesses, que tudo que fazíamos era juntos. Dizíamos um pro outro: “se você tirar o sapato, eu também tiro”. “Vamos subir nas árvores?” “Vamos colher ovos?” “Vamos brincar de fazer carrinhos e estradinhas no barranco?” Na verdade mandava quem tinha primeiro a idéia sobre a brincadeira ou empreitada a fazer.
Achava que ele era meu, desde que ele entrou na minha vida nos seus três aninhos. O meu irmão. Éramos muito divertidos e unidos. Entendíamos ás mil maravilhas.
Ele já morreu há tanto tempo que não lembro. Não sei por que ele me veio à mente agora. Talvez por estar presente ao meu coração em toda a vida.
Pais mineiros e rigorosos, não nos deixavam ir à rua, exceto às aulas ou para andar de bicicleta que era uma só. Um na garupa para ir e o outro pedalando. Ou, cada um num pedal, num sobe-desce, a maior diversão.
Ao longo da vida fomos unidos e ele sempre foi o meu maior amor, dos três aos sessenta.
Mas um dia ele se libertou do meu domínio (involuntário), era apenas natural, como tudo de bom da vida é do nosso domínio, como a flor, o perfume, a alegria e o prazer. Coisas que Deus nos dá, tudo é da gente.
Éramos adolescentes. Eu, menina de treze anos e Gabriel de dez,
Foi num dia qualquer, em que eu estava próxima à janela do quarto, aberta para a área lateral da casa, uma comprida área externa, e ele estava lá no fim desse espaço. Cheguei á janela e um objeto caiu da minha mão lá fora, na área.
“Pega aqui pra mim!”, gritei pra ele e enfiando a cabeça pra fora.
Ele não se moveu do lugar e gritou:
_ “Não vou!”
Foi tão verdadeiro, nascido ali naquele momento dele, que entendi perfeitamente que terminara o meu mando e que ele assumia sua própria individualidade.
Respeitei-o. E o amei mais ainda.
Nessa época eu amava também o meu pai, que começava a fazer distinção entre a filha e o filho menores. Suas atenções de fazer caminhada pela linha da estrada de ferro, num papo maravilhoso que ele sabia ser, caíram sobre meu irmão. Começou a sair só com o ele e recusando que eu fosse.
Eu ficava na janela da varanda. Olhando os dois se afastarem. Sentida.
Foi um golpe duro, uma escolha. E o Gabriel era muito bom, precoce e veio a ser mais inteligente que eu, mais falante, mais solto. Eu tinha inveja dos papos que os dois faziam, na linha da estrada de ferro.
Engoli. Eu nunca ainda cogitara no que é o amor. Eu já sentia o amor, mas não sabia. Eu já amava todo mundo. Tudo pra mim era muito importante.
Só hoje que nem tudo é importante. Tudo é tão relativo.
Eu era “metida à besta”, expressão que hoje talvez seja usado “fulano se acha”. Escrevendo assim tão solta, descuidadamente teclando, vem nascendo estas lembranças, virando saudade louca do meu irmão e da felicidade.
Na verdade estou é indignada depois de ter pesquisado Luigi Pirandello para arranjar personagens pra ele, como ele gostaria.
Como vou gostar de Pirandello se meu coração ainda vibra de amor recente por Katherine Mansfield? Estou em sintonia diferente dele.
Vem daí que caí me lembrando do Gabriel, meu irmão e de todo o amor e encanto de nossas vidas. E de toda a dor de viver!
Pirandello bem que gostaria desses dois personagens, eu e Gabriel!
Que merda de homem esse, que deve ter tido também uma vida bem angustiada! Pois se tinha permanente pensamento de que o homem tinha que escolher de ter e exercer apenas um papel na vida, quando sabia que podia ter cem ou mais papeis ao longo da vida; muito preso á convenção social, ao racionalismo, ao dever ser só alguma coisa! Acabou assim, cheio de indagações, de confrontos e análises existenciais. Trabalhou bem suas idéias, que virou até se tornar interessante e diferente dos demais de sua época e de todos os tempos. Até ganhou um premio Nobel pela sua esquisitice, sem escorregar para um estado de loucura.
Era um cara interessante, mas ainda não estou interessada nele. Pode ter sido original, um pensador, um dramaturgo, famoso, o escambau! Não to nem aí pra esse tipo!
O que a vida precisa é de Poetas!
Meu Deus, a vida tem tanta poesia!
Porque representar tragédias?
Maria Luiza, 25/05/2010
Eu achava que mandava nele. Na verdade éramos tão unidos e identificados nas brincadeiras e interesses, que tudo que fazíamos era juntos. Dizíamos um pro outro: “se você tirar o sapato, eu também tiro”. “Vamos subir nas árvores?” “Vamos colher ovos?” “Vamos brincar de fazer carrinhos e estradinhas no barranco?” Na verdade mandava quem tinha primeiro a idéia sobre a brincadeira ou empreitada a fazer.
Achava que ele era meu, desde que ele entrou na minha vida nos seus três aninhos. O meu irmão. Éramos muito divertidos e unidos. Entendíamos ás mil maravilhas.
Ele já morreu há tanto tempo que não lembro. Não sei por que ele me veio à mente agora. Talvez por estar presente ao meu coração em toda a vida.
Pais mineiros e rigorosos, não nos deixavam ir à rua, exceto às aulas ou para andar de bicicleta que era uma só. Um na garupa para ir e o outro pedalando. Ou, cada um num pedal, num sobe-desce, a maior diversão.
Ao longo da vida fomos unidos e ele sempre foi o meu maior amor, dos três aos sessenta.
Mas um dia ele se libertou do meu domínio (involuntário), era apenas natural, como tudo de bom da vida é do nosso domínio, como a flor, o perfume, a alegria e o prazer. Coisas que Deus nos dá, tudo é da gente.
Éramos adolescentes. Eu, menina de treze anos e Gabriel de dez,
Foi num dia qualquer, em que eu estava próxima à janela do quarto, aberta para a área lateral da casa, uma comprida área externa, e ele estava lá no fim desse espaço. Cheguei á janela e um objeto caiu da minha mão lá fora, na área.
“Pega aqui pra mim!”, gritei pra ele e enfiando a cabeça pra fora.
Ele não se moveu do lugar e gritou:
_ “Não vou!”
Foi tão verdadeiro, nascido ali naquele momento dele, que entendi perfeitamente que terminara o meu mando e que ele assumia sua própria individualidade.
Respeitei-o. E o amei mais ainda.
Nessa época eu amava também o meu pai, que começava a fazer distinção entre a filha e o filho menores. Suas atenções de fazer caminhada pela linha da estrada de ferro, num papo maravilhoso que ele sabia ser, caíram sobre meu irmão. Começou a sair só com o ele e recusando que eu fosse.
Eu ficava na janela da varanda. Olhando os dois se afastarem. Sentida.
Foi um golpe duro, uma escolha. E o Gabriel era muito bom, precoce e veio a ser mais inteligente que eu, mais falante, mais solto. Eu tinha inveja dos papos que os dois faziam, na linha da estrada de ferro.
Engoli. Eu nunca ainda cogitara no que é o amor. Eu já sentia o amor, mas não sabia. Eu já amava todo mundo. Tudo pra mim era muito importante.
Só hoje que nem tudo é importante. Tudo é tão relativo.
Eu era “metida à besta”, expressão que hoje talvez seja usado “fulano se acha”. Escrevendo assim tão solta, descuidadamente teclando, vem nascendo estas lembranças, virando saudade louca do meu irmão e da felicidade.
Na verdade estou é indignada depois de ter pesquisado Luigi Pirandello para arranjar personagens pra ele, como ele gostaria.
Como vou gostar de Pirandello se meu coração ainda vibra de amor recente por Katherine Mansfield? Estou em sintonia diferente dele.
Vem daí que caí me lembrando do Gabriel, meu irmão e de todo o amor e encanto de nossas vidas. E de toda a dor de viver!
Pirandello bem que gostaria desses dois personagens, eu e Gabriel!
Que merda de homem esse, que deve ter tido também uma vida bem angustiada! Pois se tinha permanente pensamento de que o homem tinha que escolher de ter e exercer apenas um papel na vida, quando sabia que podia ter cem ou mais papeis ao longo da vida; muito preso á convenção social, ao racionalismo, ao dever ser só alguma coisa! Acabou assim, cheio de indagações, de confrontos e análises existenciais. Trabalhou bem suas idéias, que virou até se tornar interessante e diferente dos demais de sua época e de todos os tempos. Até ganhou um premio Nobel pela sua esquisitice, sem escorregar para um estado de loucura.
Era um cara interessante, mas ainda não estou interessada nele. Pode ter sido original, um pensador, um dramaturgo, famoso, o escambau! Não to nem aí pra esse tipo!
O que a vida precisa é de Poetas!
Meu Deus, a vida tem tanta poesia!
Porque representar tragédias?
Maria Luiza, 25/05/2010