Um sonho em caminhada

O solo árido, rasteiro, alaranjado pelos raios do Sol que se ia atrás das longínquas serras, tingidas de negro, contra a luz forte que acarinhava a tudo, e se despedia para o próximo dia.

Seguindo a trilha dos rastros de luz deixados nas folhas, no rio, no caminho, seguia lenta e corajosamente o homem e a mulher, com os filhos nas costas, os mais velhos ajudando a carregar os mais novos nas rudes subidas que aquela vida apresentava.

Caminhavam retirantes, análogo aos antigos nordestinos que saíam de suas ricas terras tomadas pelos grandes latifundiários que se riam novamente com a subida do preço da cana, que diferente de quando eram jovens era destinado ao açúcar, agora iria virar um tipo de composto energético distribuído em postos de gasolina no mundo inteiro.

Fartavam-se e enchiam o bolso de moedas, com as quais nunca poderiam de fato fazer aquilo que no seu íntimo mais profundo mais desejavam: ser feliz, amar, e mais, ser queridos e amados. Porque o amor não se compra, nem se empresta, mas se conquista, não numa batalha onde se use o poder de argumentação ou a ameaça da morte, mas que se constitui de uma construção mágica de sentimentos que solidificam vagarosamente, sadios, tranqüilos, felizes e sorridentes. É o agradecimento daquele a quem se estendeu a mão; do beijo quente e apaixonada daquela a quem provamos por todos os “a” e “b’s”, e somas de um + um que é igual a 2, que lhe pertencemos em todos os aspectos do nosso ser.

Mas os dias iam mudando, e por todos os cantos, sorriam mulheres e homens, que preferiram não dividir nem compartilhar, e entre estes, tantos outros, que não compartilhavam de verdade, e seguindo a ilusão do movimento sexual puramente mecânico, entregavam o que haviam de mais belo em si, sua sinceridade: consigo e com aqueles que amam; entregavam sua paz e reclamavam da escravidão. Pousavam uma venda sob os olhos e sobrecarregavam de anestesia os poros que em erupção clamavam a paz da rede gostosa do amor da cumplicidade, daquele que só quem viveu para o outro pode sentir.

A família sorria de volta, mas entre os dentes apresentava sua aversão a toda àquela mudança e tecnologia que na verdade empobrecia cada vez mais a humanidade: o que acontece quando algo é inventado e oferecido a um grupo e negado a outro. Mas o grupo familiar não desistia de seguir as faixas douradas do sol que passava apertada por entre os prédios da grande cidade da qual agora se aproximavam.

Era o sonho que se aproximava da selva cinza de concreto.

O sonho, cujos pais em calejadas costas traziam a nova esperança, magra mas sorridente, cujas as esperanças mais maduras insistiam em carregar. Porque assim é a esperança, ela não se cansa, não desiste, e por mais que se repita, a esperança, nunca se desgasta, porque a esperança, assim como o amor, são palavras que precisam demais se repetidas, para que não se percam perdidas nas memórias.

Gregório Borges
Enviado por Gregório Borges em 24/05/2010
Código do texto: T2276753
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