Lopão e Lopinho - Parte II
Minha terra, nossa gente e sua história.
Lopão e Lopinho
Parte II
Naquele tempo as missas e ladainhas eram rezadas em latim. Ninguém entendia nada! Aguardávamos apreensivos os sermões ou práticas, como eram chamados. Era a hora do puxão de orelha, do chumbo grosso. A forma de pregar do Padre metia medo no mais cético dos homens. Imagine o que passava na cabeça da meninada! Durante os sermões o silêncio era tanto que dava para perceber o barulho de um mosquito voando, tínhamos cuidado até ao tossir. Após o sermão saíamos da Igreja assustados, com um sentimento de culpa, e muito medo, principalmente em relação ao terrível fogo do inferno. Lopão descrevia chamas de fogo com tanta realidade, que podíamos sentir até o calor delas. Aquilo ficava gravado em nossas mentes dias após dias.
As procissões eram cercadas de todo respeito, meninos iam à frente, homens em uma fila e mulheres em outra. Ai de quem furasse fila! O silêncio era de tal forma que somente ouviam-se, cânticos e rezas, intercalados com dobrados das Bandas Santa Cecília ou Euterpe.
Certo dia, em uma procissão de Corpus Christi aconteceu um caso inusitado. Eu, quando menino, sempre gostei de participar dos momentos solenes da paróquia, naquela procissão fui incumbido de carregar a vasilha que armazenava o incenso para ser usado nas três bênçãos durante o trajeto. Sô Intelecto, que era o responsável pelo incenso, me recomendou que usasse somente no momento da solene benção. A procissão teve seu inicio na Matriz do Rosário seguindo para o Bairro Pará. Assim que cheguei próximo à casa da Banda Euterpe, verifiquei que o Padre não estava por perto, resolvi por conta própria colocar incenso no turíbulo. Meu Deus! Aconteceu o inesperado. De longe o Padre percebeu a fumaceira, veio em minha direção, arrancou a vasilha de minha mão, ordenou que eu voltasse para a igreja e me sentasse no banco preto da sacristia, frente à escadaria que dava acesso a imagem de São Jorge. A tal imagem era o pavor de todos os meninos. Devido à sua expressão parecia que estava vivo! Dizem que a imagem foi esculpida pelo Santeiro Alfredo Duval. Fiquei ali durante o tempo em que a procissão percorria as ruas do centro. Só Deus sabe quanto foram horríveis aqueles instantes. Assim que a procissão chegou, Lopão me retirou do castigo, mandou que eu rezasse o ato de contrição o terço e o credo. Fez recomendações para que nunca desobedecesse a ordens.
Com todo aquele temperamento, carregava no peito um coração maravilhoso. Era capaz de chorar, tinha a humildade de pedir perdão até a uma criança.
Até a proxíma
Marconi Ferreira.
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