A BELA E A FERA
 
Acordei como sempre, ao som do apelo insistente dos bem-te-vis, que só param de gritar quando abro a porta para o quintal e os saúdo com um sonoro “Bom diaaaaa meus lindões, mãe já acordou!!!” Desta vez, a barulheira tinha um tom diferente e eu o conhecia muito bem. Eles estavam a avisar-me que havia um elemento estranho na área. Era sempre assim quando um gavião sobrevoava a casa, ou um gato matreiro armava tocaia no cantinho do telhado, ou os sagüis vinham em busca de bananas. O terror era geral. Olhem que falei terror e não medo. Bem-te-vis não têm medo a não ser do bicho homem. São valentes e em bandos enfrentam seus predadores com seus bicos afiados. Outra coisa, eles não perdoam ratos e répteis. Reconheci o chamado também, porque dias atrás um deles tentou pegar uma cobra-de-duas-cabeças que insistia em sair por um íngreme orifício. Quando cheguei ao local, o pequeno guardião atacava sem piedade o “inimigo” enquanto gritava exprimindo um som que, jocosamente, meu filho interpreta como “Mãae! Mãae!”. Mas voltando ao caso inicial, agi como sempre. Abri a porta e os cumprimentei, mas a gritaria continuava. Então desviei o olhar para minha roseira maravilhosa, que me presenteia todos os dias com lindas e perfumadas rosas. É outro hábito matinal, conversar com minhas rosas, sentir o cheiro da manhã, olhar para o céu e agradecer a Deus, por estar viva e poder interagir com a natureza! Quando olhei para a roseira, parei, extasiada!!! Uma enorme rosa pendia de um dos galhos mais afastados do tronco principal. A beleza era tanta, que fiquei sem ar, estupefata, por alguns segundos. Como seria bom se eu tivesse o poder de mantê-la ali eternamente! Mas era só uma rosa, entre muitas que coloriam a roseira. Uma BELA rosa! E eu uma simples mortal embevecida diante de tanta beleza.
Mas os pequenos vigilantes não paravam de clamar pela minha atenção. Foi então que olhei para o chão, embaixo da rosa e recuei assustada! Enojada! Um cadáver maculava aquela visão celestial. Uma FERA jazia inerte e impotente numa pequena poça d’agua que a chuva da madrugada criou. Era um rato enorme e asqueroso que havia saboreado avidamente um alimento impróprio, que costumamos acondicionar em lugares muito visitados pela espécie.


Eis que eu estava ali, as cinco da matina, diante de uma situação tão conflitante, tão paradoxal. Estava diante da BELA e da FERA! Bem que fui avisada pelos GUARDIÕES DO QUINTAL!
 
Esse fato me fez refletir: Quantas vezes nos deparamos numa situação como essa, entre contemplar a beleza e repugnar “o que não é belo” simultaneamente?
 
Fátima Almeida
15/05/10 
 
A título de esclarecimento: Os pássaros que freqüentam o meu quintal são livres, como Deus os criou e eu os respeito como parte da natureza. Apenas dou uma “mãozinha”, disponibilizando alimento, água, sombra e muito amor, que eles retribuem mantendo afastados insetos e pequenos animais nocivos.

As belas são minhas, mas não consegui fotografar a
fera.


Fátima Almeida
Enviado por Fátima Almeida em 24/05/2010
Código do texto: T2276082
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