Miséria ofuscada

“Vício é o que vistes muitas vezes...”

Marco Aurélio

A primeira coisa revoltante sobre o demoníaco mundo das drogas é que sempre é refletida de cima para baixo. Os jornais ficam horrorizados vendo o povo pobre, miserável até mesmo, entregue a prática do sonho químico nas sarjetas. Também destaca os casos dentro da classe-média com acorrentamentos e outras desgraçadas experiências ligadas ao milenar e imenso mundo da magia química. Tal subjetividade adquirida levou muitos anos para aceitar o álcool e o fumo dentro do espelho da realidade. Agora estes dois nichos, atacados pela concorrência no universo das narcoses, ganharam um combate associado que faz estremecer a aura humana. As instituições querem apenas o homem “limpo de hábitos” para o caminho da vida sem nenhum pecado. Não lhes passa pelo cérebro educado e organizado para o trabalho, que existem drogados absolutamente integrados, educados, inteligentes, profundamente cultos, incapazes até das bebidas alcoólicas. Preferem fumar um baseado no mar da tranquilidade na mais pura afeição aos valores emocionais e típicos do lar. Havendo multidões de criaturas que sabem discernir o real do imaginário vivendo com boa qualidade de vida. Lembrando as palavras do inglês mais velho do mundo ao ser indagado pela mídia sobre qual era o seu segredo para longevidade: bebidas, cigarros e mulheres. Por que não respeitar os mais velhos?

Bastaria um sinal do estado de respeito às multidões de usuários para destituir os cartéis do tráfico da grande importância comercial que adquiriram em nome da demanda. Somente o acesso fácil e controlado romperá as barreiras do espartano ataque àquilo que não tem cura e nunca terá.

O importante é incluir os drogados no mundo como estão no mundo. Ninguém entra na floresta amazônica para incomodar o barato indígena de suas eternas abstrações. Mas na sarjeta é diferente. O discurso das drogas serve para ocultar o discurso da luta contra a miséria, ofusca, ocupa as primeiras páginas e encobre o sentido humano de respeito às doenças. Afeta o capital e se alia ao terrorismo com nome organizado, empurrado pelo descaso ao direito de cada um sobre a própria subjetividade. Proíbe para criar certa sensualidade entre o medo e o ritual de passagem da juventude; ela que sempre espera mais da representatividade, porém vive nas cercanias dos tumulares viadutos e outras mocas.

Esse massacre moral transformado em sangue contra um direito subjetivo de escolha gera o fascismo moderno alimentado contra os seus opositores enriquecidos pela muralha da condenação, facilitados graças aos enfoques ingênuos dos meios de comunicações. Como se pudessem curar um câncer com mercúrio para os acomodados da poltrona da sala diante da televisão. São os que apostam na manchete do conflito sem reflexão pisoteando o lado das multidões que exasperadas buscam alívio, longe do conforto dos redatores profissionais da realidade.

É muito triste que Sartre não pule para dentro das pessoas já que alguns acreditam no retorno das almas. Ele sim seria respeitado como antagonista da idiótica comunicação burguesa do conforto abstêmio. É estranho observar como o mercado químico da sociedade homo faber, ora... Deixemos para o Sartre a burrice incondicional quanto à forma de tratamento bélico empregado para restringir populações, atacando indivíduos, graças ao tipo de consumo.

O estado exalta a sua pureza, sua bondade, seu mito para purgar santificações; esse mesmo estado que tem em suas entranhas a criação lógica da miséria pútrida; dentro das regras de mercado. É o mesmo que deseja limpar o mundo da crueldade das drogas. Mas quem são os sádicos mercadores da insanidade? Como se proliferam preenchendo vagas de trabalho em zonas de total esquecimento do menor respeito à condição humana. Se cada drogado pagasse uma taxa para o serviço o público de saúde atingir o nível técnico de primeiro mundo, teríamos certamente respeito, maturidade para compreender a situação quando a zona de fatalidade em que todos nós arriscamos nossas vidas.

Devemos lutar de modo inteligente em prol da redução de danos. Tudo o que os meios estão fazendo é articular uma guerra civil entre drogados e não drogados dentro do mesmso mundo, como duas espécies distintas da mesma civilização opaca.

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