CAIPIRA
Sou caipira de essência. Caipira da cepa. Sou um brasileiro brasileiríssimo oriundo das misturas de índios, portugueses, negros e bugres. Nasci na cidade por acaso e o acaso me levou de volta ainda criança ao sertão banhado por muito sol, luar, chuva, mato, serra, rádio com antena externa, musica caipira, carroça, armadilhas e roça. Muita roça lavrada com machado e enxada. Trator e fertilizantes não fizeram parte da minha vida caipira. Adubava a horta com bostas recolhidas nas pastagens nos dias de chuva em balaios tecidos de taguara.
Agora até bebo whisky para mostrar que sou moderno, urbanizado, mas gosto mesmo é do cheiro e do gosto do velho engenho tocado a boi manso, das histórias prosadas nas noites de cerão para cevar a mandioca e fazer farinha, do mangual que batia no feijão para debulhar os grãos, do moinho de pedra, movido pela roda de água que corria morro abaixo e que transformava o milho em fubá.
E tudo isso regado pelo sonho, pelo caráter, pela vontade, pelo respeito, pela necessidade e os ardores dos adultos, amenizado pela aguardente, a querida e apreciada "mardita", igualmente extraída nos engenhos artesanais e vinda da cana que plantava, carpia, cortava a facão e carregava no lombo nú, nos dias quentes de verão.
Sou um poeta caipira que só conheceu gramática bem mais tarde, na cidade grande, por força das obrigações e pelo regalo do diploma de doutor que hoje está pendurado na parede da sala da minha velha mãe, quase centenária e que ainda o aponta para cada visita que chega, orgulhosa do filho caipira menino e hoje homem feito e diplomado.
E viva a cachaça, a "mardita", que refrescava no verão e aquecia no inverno. Que acalentava os desabores da desesperança, que comemorava o gozo do dever cumprido no fim da labuta, que congratulava os encontros dos compadres e regava a vida de emoções artificiais, que fomentava sonhos e viagens pelo imaginário do caipira altruísta.
Cachaça, cigarro de palha, rádio grande a pilha, música caipira solada por viola chorosa e muita contação de causos. Essas as imagens, os cheiros e os sons que carrego muito enraizados nas lembranças da vida menina, revivendo os senhores, então vizinhos, ou compadres ou somente amigos que fossem, sentados nas varandas das casas, em bancos de madeira ou cadeiras de palha e a noite tomando a madrugada. E quando mais cachaça corria, quando mais a música incentivava, mais causos e vantagens eram contadas ou simplesmente inventadas, sem que ninguem se atrevesse a duvidar.
Nas grandes cozinhas, fogões que queimavam lenha seca lentamente, grande mesa de madeira bruta, cristaleiras guardavam os copos e as porcelanas branquíssimas, as vezes pintadas a mão e na parede as baterias, exibindo as panelas de alumínio brilhante ostentando o capricho e orgulho da mulher prendada que cuidava da casa. E as senhoras ali, passando mais café recém moído e que ao receber a água fervente, exalava aquele jeito de manhazinha, apesar da noite alta. Na mesa o pão de forma, os biscoitos de milho, as broas de polvilho, a manteiga batida na manhã e as conversas correndo soltas, numa algazarra de amélias orgulhosas e felizes com seus constantes afazeres e ouvidos ligados nos maridos na varanda. Ali não corria cachaça de mão em mão.
Eita vida caipira, circunstâncias que assim contadas parecem terem ocorrido a séculos, quando na realidade são apenas décadas e cuja realidade ainda corre viva e solta em dias de hoje, por esses interiores do nosso tempo. A cachaça e o caipira não vivem somente nas minhas lembranças e nos meus causos. Ainda não são apenas lendas. Ainda são realidades presentes em tantos e tantos pedaços desse nosso chão.
Sou caipira de essência. Caipira da cepa. Sou um brasileiro brasileiríssimo oriundo das misturas de índios, portugueses, negros e bugres. Nasci na cidade por acaso e o acaso me levou de volta ainda criança ao sertão banhado por muito sol, luar, chuva, mato, serra, rádio com antena externa, musica caipira, carroça, armadilhas e roça. Muita roça lavrada com machado e enxada. Trator e fertilizantes não fizeram parte da minha vida caipira. Adubava a horta com bostas recolhidas nas pastagens nos dias de chuva em balaios tecidos de taguara.
Agora até bebo whisky para mostrar que sou moderno, urbanizado, mas gosto mesmo é do cheiro e do gosto do velho engenho tocado a boi manso, das histórias prosadas nas noites de cerão para cevar a mandioca e fazer farinha, do mangual que batia no feijão para debulhar os grãos, do moinho de pedra, movido pela roda de água que corria morro abaixo e que transformava o milho em fubá.
E tudo isso regado pelo sonho, pelo caráter, pela vontade, pelo respeito, pela necessidade e os ardores dos adultos, amenizado pela aguardente, a querida e apreciada "mardita", igualmente extraída nos engenhos artesanais e vinda da cana que plantava, carpia, cortava a facão e carregava no lombo nú, nos dias quentes de verão.
Sou um poeta caipira que só conheceu gramática bem mais tarde, na cidade grande, por força das obrigações e pelo regalo do diploma de doutor que hoje está pendurado na parede da sala da minha velha mãe, quase centenária e que ainda o aponta para cada visita que chega, orgulhosa do filho caipira menino e hoje homem feito e diplomado.
E viva a cachaça, a "mardita", que refrescava no verão e aquecia no inverno. Que acalentava os desabores da desesperança, que comemorava o gozo do dever cumprido no fim da labuta, que congratulava os encontros dos compadres e regava a vida de emoções artificiais, que fomentava sonhos e viagens pelo imaginário do caipira altruísta.
Cachaça, cigarro de palha, rádio grande a pilha, música caipira solada por viola chorosa e muita contação de causos. Essas as imagens, os cheiros e os sons que carrego muito enraizados nas lembranças da vida menina, revivendo os senhores, então vizinhos, ou compadres ou somente amigos que fossem, sentados nas varandas das casas, em bancos de madeira ou cadeiras de palha e a noite tomando a madrugada. E quando mais cachaça corria, quando mais a música incentivava, mais causos e vantagens eram contadas ou simplesmente inventadas, sem que ninguem se atrevesse a duvidar.
Nas grandes cozinhas, fogões que queimavam lenha seca lentamente, grande mesa de madeira bruta, cristaleiras guardavam os copos e as porcelanas branquíssimas, as vezes pintadas a mão e na parede as baterias, exibindo as panelas de alumínio brilhante ostentando o capricho e orgulho da mulher prendada que cuidava da casa. E as senhoras ali, passando mais café recém moído e que ao receber a água fervente, exalava aquele jeito de manhazinha, apesar da noite alta. Na mesa o pão de forma, os biscoitos de milho, as broas de polvilho, a manteiga batida na manhã e as conversas correndo soltas, numa algazarra de amélias orgulhosas e felizes com seus constantes afazeres e ouvidos ligados nos maridos na varanda. Ali não corria cachaça de mão em mão.
Eita vida caipira, circunstâncias que assim contadas parecem terem ocorrido a séculos, quando na realidade são apenas décadas e cuja realidade ainda corre viva e solta em dias de hoje, por esses interiores do nosso tempo. A cachaça e o caipira não vivem somente nas minhas lembranças e nos meus causos. Ainda não são apenas lendas. Ainda são realidades presentes em tantos e tantos pedaços desse nosso chão.