Vida Finda (ou breves reflexões sobre a perda)

Aproximados seis meses atrás vivi um tempo bastante cinza. Minha querida cadela (sobre a qual já dediquei algumas linhas para as pessoas de gosto duvidoso que insistem em me ler) não estava lá muito bem de saúde. Depois de uma ida ao veterinário e tirar sangue a custa de muita chatice veio a notícia do nosso Hipócrates canino: Janis pegou uma doença transmitida por carrapato e teria que fazer um tratamento à base de fortes antibióticos e muita torcida. “O animal pode vir à óbito se as coisas derem errado”. Acho péssima essa tentativa de veterinários de nos (re)colocar no lugar de racionais, sublinhando que se trata apenas de um animal. Na verdade é o “meu” animal o que a tonar uma espécie de “cachorro mais legal do mundo!”.

Tentei parecer forte durante algum tempo. Mas num desses fatídicos dias deitei no colo da Arlene e chorei um copioso e amargo choro, como pelo que me lembro, nunca chorei na frente de uma outra pessoa. Situação aviltante! Porque nos remete a um tipo de sentimento que é impossível não ter sentido antes e que talvez seja dos sentimentos que mais nos fragiliza: a perda.

Elementar que sei que minha cadela não irá durar para sempre, mas gostamos de tentar burlar o inevitável, uma tentativa insana de enjaular o azar. Como já pensei antes que não iria terminar com algumas – poucas – pessoas com a qual me relacionei crendo que eram “a garota”, ou como acreditava que iria passar no primeiro vestibular que fiz sem ter estuda o suficiente, igualmente que meus avós iriam viver sempre comigo ou que minha primeira banda de adolescente estaria sempre junta, sem nenhuma Yoko Ono ou lutas de ego tolas.

Pensamos em nossas perdas no limite. Somos empurrados a isso numa espécie de apocalipse pessoal e quando tais reflexões nos remetem à nossa própria finitude tais perdas são ainda mais traumáticas. Quem, por exemplo, já sofreu acidente de carro sabe bem o que quero dizer. Ou quando, confortavelmente, sentamos à mesa do nosso gerente de banco (aquele agiota oficial que sempre nos trata por “Sr” e oferece cafezinho) e acertamos os detalhes de nossa previdência privada. Por vezes, sem sacar, estamos sendo levados a responder a seguinte pergunta: “quanto tempo você acha que ainda vai durar?”.

Mas, sem perder, o melhor é curtir o momento e não ficar teorizando acerca das coisas que ainda temos e, por conseguinte, ainda não perdemos. Quanto à Janis … A torcida e os antibióticos surtiram bom efeito e ela CONTINUA aqui onde eu gosto: esparramada no chão da sala olhando para mim e balançando o rabo enquanto escrevo.

Dé Garfield
Enviado por Dé Garfield em 21/05/2010
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