Outros deuses por ai

Outros deuses por ai.

Como era bom aquele tempo.

Jose da Paz era um menino traquina, destes que fazem de tudo para merecer uma surra de seus pais, isto nos fins dos anos 50. Bom de bola, sua vida era os campos perdidos naquele bairro Campestre tão bem já contados pelo cronista Claudionor Pinheiro do Recanto, de quem era parceiro em suas peladas muitas vezes matando (cabulando) aulas na escola, mas tendo o cuidado de no fim, correr até o caminho da escola, para copiar dos colegas, as tarefas de casa, naquela época era assim, aluno tinha dever de casa.

Assim este menino de canelas finas e esguio, era por sua mãe, tido como um Deus pequeno e sempre se referia ao menino como seu Deus, o que deixava a meninada curiosa daquele bairro operário de Itabira, mesmo porque todos sabiam das artes do Zezé da Paz.

Naquela época as crianças se preparavam para a primeira comunhão, uma preparação esmeradamente feita por irmãs de caridade do Colégio Nossa Senhora das Dores, com aquelas freiras de roupa preta com aquele branco em destaque no peito, o que para nós meninos mais pareciam um bando de andorinhas. Era interessante ver aquele volume andante de preto e branco subindo a Rua Santana em direção a uma escolinha, que funcionava na área do Clube Valeriodoce, uma escolinha de nome americano acho que Gilbert Watred, o que menos importa agora, mas era homenagem a algum americano daquela empresa Vale do Rio Doce,fundada por eles para retirarem o minério de Drumond.

Zezé tinha como colega o menino Ari, filho do Joaquim Margarida, acho até os pais eram compadres, menino travesso como o Zezé, parceiros de bola e tantas coisas erradas de menino em pleno uso da sua liberdade em cidade de interior. Meninos que tinham a vida nos pés descalços, no peito a certeza de poder total, na cabeça o medo de ser apanhado numa errada e ter de encarar os pais com seus tradicionais aplicativos de correção, varas, chicotes, taca, correia e o que tivesse por perto. Assim eram felizes estes meninos sim.

Foi assim numa destas aulas de catecismo a freira apareceu para verificar como estava a preparação da turma, pois já se aproximava o dia festivo da primeira comunhão, quando muitos calçariam até sapatos e vestiriam um paletó branco de calças curtas, e num é que as pestinhas ficavam bonitas, até parecidas com santo? Aquele dia de teste era o dia em que a turma queria sumir do mundo, igual dia de vacinação, porque tudo ali era decoração e aquelas cabeças estavam em tudo, menos nas lições de religião. Neste dia quando o silencio reinou naquela sala, a freira escolheu de primeira o Ari, que sempre sentava ali pelo meio da sala proximo a janela, o menino queria entrar chão a dentro.

Olhando fixamente para ele, a freira disparou logo a famosa pergunta, que lhe pareceu um tiro a queima roupa:

- Ari quem é Deus?

Ari sentiu uma onda de calor invadir seu corpo, nervosamente pensou em todas as aulas passadas e perdidas, mas tinha suas duvidas, olhou o olhar de deboche de seus colegas, sentiu a perna tremer olhou para o fundo sala viu o Zezé tranquilo,sorrindo e na sua cabeça bombardeavam as palavras da Dona Conceição Diogo.

Impaciente freira disparou novamente. Ari quem é Deus? Insistiu a freira, e todos os moleques ficaram olhando para o Ari, torcendo para que o moleque errasse e fosse para o castigo junto à diretoria. Criança tem maldade, quer ver o coleguinha na pior.

Num relance, Ari com toda força do peito respondeu:

- Deus é Zezé de Conceição Diogo dona Irmã.

Neste instante todos da sala cairam numa gargalhada geral, se viraram para o Zezé sentado lá nos fundos da sala junto à turma do barulho. O Zezé queria sumir naquele momento, quando a Irma se virou rapidamente , com dedo em riste para o Zezé e o questionou:

- Jose da Paz o Ari disse que você é Deus. Você se acha um Deus?

O moleque naquele jeitão matreiro, se sentindo o todo poderoso, levantou e com o comprido dedo indicador direito apontando aos colegas, fazendo uma varredura semicircular pela sala, e foi logo dizendo:

Olha dona Irmã, todos eles aqui e minha mãe, ficam dizendo que eu sou Deus, mas pelo que estudei, eu acho que tem outros Deuses por ai. Novas gargalhadas pela sala. Momento este que a própria Irmã esboçou um sorriso e rapidamente pediu silencio, e deu uma saída rápida da sala para mostrar seu lado humor sem ousadia daqueles moleques.

Neste instante o Ari se virou gritando para Zezé da Paz:

- Valeu Zé da Paz, você me salvou, mas como é que é mesmo aquele troço mesmo das Três Pessoas da Trindade fazendo um Deus só?

Silencio total a freira entra com a diretora.

Ps. Fica como homenagem ao Jose da Paz(primo e compadre) e ao Ari que é cunhado do Jose Claudio (RL),pessoas de infancia feliz.Assim como eu, numa cidadezinha nas Minas Tao Gerais-Itabira.

Toninhobira

18/05/2010.

Toninhobira
Enviado por Toninhobira em 21/05/2010
Reeditado em 24/05/2010
Código do texto: T2270896
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