ESSE É O MEU GAROTO!!

Creio que muitos profissionais ficam felizes quando seus filhos seguem seus passos. Lá em casa ninguém quis, por enquanto, ser professor ou fotógrafo, mas o que os meus “meninos” lêem e escrevem dá inveja em muita gente. O texto abaixo me chegou recentemente por e.mail, proveniente do meu filho mais velho, que aos 23 anos já é cientista social pela Ufes e cursa mestrado em Antropologia na Universidade Federal Fluminense, em Niteroi- RJ.

Mãe,

Lembrei-me de você esta tarde quando fui até uma loja de coisas usadas procurar por uma cadeira nova para a mesa do computador, já que a antiga era de praia, muito baixa e me machucava os pulsos, impedindo-me de escrever corretamente. Logo, raciocinei que era mais barato comprar outro assento do que pagar fisioterapia para o resto da vida.

Assim, entrei no ônibus e decidi que iria até o centro da cidade, procurar o diabo da cadeira. A primeira loja que entrei era de uma velha senhora judia e logo decidi que era ali mesmo que eu a compraria, por dois motivos: pela cara simpática da senhora e pelo fato de ela ser judia. Ledo engano! A primeira coisa que a mulher me disse foi: "Yéled (criança, em hebraico), aqui não ter desses cadeiras não...Pena! Só ter daquele modela e custar 300 reais".

Logo vi que eu não poderia comprar nada ali, nem mesmo uma garrafa d´água, pois a senhora certamente me cobraria uns 15 reais por ela. Assim, continuei a minha epopéia atrás da cadeira. Numa loja ao lado, encontrei um senhor em uma loja pequena e suja, com todas as luzes apagadas. Perguntei-lhe se ele tinha uma cadeira de escritório. Meio desajeitado e tentando esconder algo no fundo, ele disse apressado: "Não, não, não tem nada disso aqui não". Vai ver que ele tentava esconder algum corpo, ou que ele vendia algo mais do que móveis usados, não é mesmo?

Um pouco mais à frente, entrei em outra loja, simpática, dessas que vende desde instrumentos musicais até variados tipos de móveis. Decidi que seria ali mesmo, já que eu não queria mais andar para achar nada, mesmo que estivessem dando cadeiras novas em alguma rua. Uma moça me atendeu e me levou até o fundo da loja, onde me mostrou uma variedade delas e me disse: "Qualquer uma dessas é 80 reais". Eu lhe perguntei: "Qualquer uma? Aquela grande ali ou essa pequenininha, tudo custa 80 reais?". Ela respondeu: "É, é sim. Qualquer uma, 80 reais". Na hora eu me lembrei dos chineses que vendem coisas variadas na rua a um só preço: 5 “leais”! “Balato, balato!”

Bem, depois de muito “chorar”, levei a cadeira. Na hora de pagar, quem disse que a máquina do cartão funcionou? Mais 40 minutos até a bendita funcionar e, quando funcionou, a linha só dava ocupada. Isso até a idiota da mulher entender que não se pode falar ao telefone e usar a máquina leitora de cartão de crédito ao mesmo tempo. Uma vez paga, veio um sujeito do fundo da loja com um balde, escovando a cadeira e rindo. Eu pensei "Meu Deus, só pode ser sacanagem. Ou as cadeiras são roubadas de algum lugar, ou alguém morreu em cima delas e eles querem me empurrar uma e ainda ficam rindo de mim".

Já limpa e embalada, a vendedora me perguntou: "Onde está o carro do senhor?" Somente nesta hora eu me lembrei de que não dirijo, não tenho carro e ainda moro muito longe de meus pais. Pensei: "Leif, seu imbecil. Por que é que você resolveu comprar uma cadeira do outro lado da cidade? E agora? Vai botá-la nas costas e andar até em casa? Vai levá-la dentro do ônibus e incomodar todo mundo? Vai enfiá-la no rabo?".

Então, confessei que eu não tinha como levá-la e ouvi o seguinte: "Olha, a gente tem um frete aqui, se quiser que entreguemos... Custa apenas 80 reais". Não! Não! Nããão! Respondi já puto da vida, embora conseguisse rir ao pensar "Só falta ela me dizer que qualquer coisa aqui é 80 reais, talvez até um programinha com ela custe isso".

Contrariado, coloquei a cadeira nas costas e marchei até uma avenida larga, procurando por um taxi que nos levasse (a mim e à minha “queridinha”) até a casa. Por fim, um senhor parou e juntos descobrimos que a cadeira não cabia de jeito nenhum no porta-malas, e no banco dianteiro o “desgraçado do motorista” não permitiu levar.

Deus sabe o que faz! Ainda bem, pois tão logo ele partiu, eu me lembrei de que não dispunha de dinheiro suficiente para pagar um taxi.

O jeito foi procurar uma agência do meu banco para sacar uma grana para o “transporte extra”. Lá fomos nós, eu a minha “lindinha” nas costas, até aquele lugar onde o todo mundo mente quando diz que é proibido a gente esperar mais de trinta minutos para sermos atendidos. Sabe qual?

Uma vez lá, aproveitei o tempo para fazer uso do meu mais novo móvel: sentei-me nela e aguardei a minha vez, deslocando-a a cada vez que a fila andava. Na saída, finalmente, encontrei um filho de Deus, que gentilmente aceitou “nos” levar até a casa, sem cobrar nenhuma taxa extra. Menos mal, pensei, mas durou pouco. O moço puxou assunto e fez todo o trajeto me dizendo que tinha duas cadeiras “gêmeas” da minha e que de bom grado as venderia por 45,00 cada? Ninguém merece!

Beijos e te amo,

Leif

Pois é, meu leitor, com muito orgulho eu lhe apresentei um texto do “meu garoto” mais velho. Pensando bem, porém, considerando o seu senso de humor e o estilo, acho que um título melhor para esta crônica seria: “Filho de “peixa”, peixinho é”. Concorda?

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 21/05/2010
Reeditado em 18/09/2015
Código do texto: T2270570
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