Sophia
SOPHIA
(do livro “... aos 40!” – editado em 2007 - de Maria da Graça Zanini, Sílvia Bier, Sônia Bier e Rosalva Rocha)
Final de tarde de descanso, depois e um dia de trabalho intenso. Tudo estava arrumado no apartamento. As roupas lavadas e passadas, a cozinha impecável, a geladeira com algumas frutas para qualquer necessidade, as contas dos últimos meses arquivadas, um vaso de rosas em cima da mesa, ganho no dia anterior do seu marido ...
Era tudo o que Sophia precisava: descanso. Os seus dias eram agitados e, quando chegava em casa, embora não tivesse filhos, se tornavam assoberbados, pois estava sem secretária nos últimos meses.
Aquele não era o seu dia. Abriu um vinho, colocou-o numa taça de cristal que ganhou de presente de sua mãe que, por sua vez, ganhou de presente de casamento há mais de 40 anos , e sentou-se no sofá. Não ligou o som nem a TV.
O silêncio importava mais naquele momento.
Sophia pensou no quanto já viveu, no quanto já reconstruiu a sua vida e no quanto ainda estava por vir.
Pensou na sua família, o suporte de tudo em todas essas reconstruções: uma reunião de pessoas comuns, com altos e baixos. Muito carinho, mas muitos desencontros. Um deles, inclusive, ainda incompreendido por ela. Tinha uma afinidade muito grande com sua mãe e ainda cultuava o seu pai, falecido há mais de 25 anos. Com suas irmãs tinha uma relação de carinho e, acima de tudo, auxílio. Uma sempre auxiliava a outra quando necessário. Mas pensou: não é só isto! A família, para Sophia, tomava proporções enormes, agregava pessoas queridas, mães e pais de amigos, conhecidos, alguns vizinhos. Eles eram tão importantes na sua vida que o sentimento era muito parecido. Não era aquele nicho que se reúne à volta da mesa de jantar para comemorar as passagens de ano. Nessas ocasiões, ela tinha vontade de encher mais e mais a mesa. Como exemplo, considerava a Dona Áurea, mãe de três de seus amigos de infância, uma pessoa da família. Dona Áurea a amparava nos momentos de maior dor ... E ela fazia o mesmo. E a sua tia Nadir, que foi criada por sua vó desde os 11 anos de idade? Para ela não era tão tia quanto as outras. Na maioria das situações, desde a sua infância, era muito mais presente.
Entre um gole e outro de vinho, foi discorrendo na memória cenas que considerava inesquecíveis, a exemplo de um dos aniversários de sua avó materna, de nome Rosa, que mais parecia uma galinha com os pintos ao seu redor. Sua avó chamou toda a sua grande família, e todos que, para ela, também faziam parte dela, dentre eles, dois amigos de Sophia na época.
Ela se parecia muito com a avó. Gostava de “agregar”.
Lembrou-se de seu sogro Rufino, um homem simples, mineiro de profissão, olhos expressivos e sorriso solto. Como perpetuar os momentos que passava com ele, tão inusitados, tão singelos, mas de tanta importância? Lembrou-se dele, na sua casa, sentado numa rede e ela num todo de árvore transformado em banco, contando e apontando para todas as árvores silvestres e nativas que havia plantado: guabijú, pitangueira, araçá, goiabeira, butiá ... Ah, e tinha também pinheiro, canela e laranja azeda, tudo distribuído num espaço de não mais de 130 metros quadrados. Que cena aquela, num mundo onde muitos não conseguem nem enxergar uma árvore? O que fazia com que aquele homem fosse para ela uma pessoa tão próxima? Por coincidência, ele também era parecido com sua avó: gostava das coisas da natureza e valia-se delas para a sua felicidade. Talvez por isso tivessem uma paz interior tão grande e uma alma desprovida de vaidades, de exageros, de mentiras, de fofocas. Sentimentos que ela sentia macular a sua família vez ou outra e que a deixavam triste.
De repente uma chuva de verão ... Sorriu para si pensando que as árvores estariam felizes e que a sua vontade naquele momento não era estar descansando, mas estar entre todas essas pessoas queridas e admiradas, com raças, sentimentos e posições tão diferentes. Sim, a sua família era grande ... muito grande, e isso a deixava feliz.