Que inveja!
Fui ontem assistir a uma missa coletiva em honra dos mortos, num templo budista, frequentado por minha mãe. Como meu pai era um dos homenageados, tive que ir também, embora a contragosto. Não aprecio muito esses cultos.
Depois da missa, as pessoas juntam-se num recinto contíguo ao templo para tomar chá. Quase em frente a mim sentou-se um casal já de certa idade, por volta dos setenta anos, ele japonês e ela branca. Bonitos os dois, bem conservados.
Eles começaram a conversar com outro casal, japonês, em frente a eles. A certa altura, comecei a prestar atenção no que eles diziam.
Ela, sorrindo : A raça japonesa é raça ruim. Minha sogra é que dizia isso.
Ele, sorrindo : Ela está invertendo as coisas. Minha mãe dizia que a raça branca é que era ruim.
Ela, sorrindo, para o casal : Quando nos conhecemos, ele me prometeu que me levava para conhecer o Japão. Até agora nada.
Ele, sorrindo : Se você quiser, pode ir. Trazendo dinheiro para mim, está bom.
Ela, acariciando os ombros dele : Você não vai agora ficar bravo comigo, né ?
E, nessa base, brincando um com o outro, carinhosamente, se falavam e conversavam com o casal em frente a eles.
Eu gostaria de ter emitido alguma opinião também, mas só consegui sorrir levemente para eles, sem coragem de desfazer a cena que estava presenciando. Na base da brincadeira, mostravam uma afinidade incomum numa idade em que os cônjuges mais se suportam do que têm disposição para brincarem um com o outro. Sinceramente, se eu fosse parente de um deles, acho que faria de tudo para que fossem afinal juntos conhecer o Japão.
Pensei então em certas mensagens amargas que chegam de vez em quando na minha caixa postal eletrônica, debochando do amor, do casamento, das relações sexuais entre homens e mulheres. Ao presenciar aquela brincadeira carinhosa entre os dois, vi que o amor existe, sobrepujando a desesperança. Que todos nós merecemos um amor desses, que dura toda a vida. De minha parte, vou continuar procurando, mais do que nunca.
Mas que na hora senti uma inveja, isso senti.