Férias. E como num passe de mágica, tudo em minha vida mudava...os cenários, os cheiros, as cores, tudo crescia e tomava ares de poesia.
E, lá
ia eu naquele trem centenário, fumarento rumo á Pilões. A viagem era longa, quase sem fim. As paisagens que desfilavam, mudavam rapidamente. Serras debruçadas sobre serras, guardavam lagoas, protegiam bichos, escondiam florestas. E, o trem serpenteava preguiçosamente nessa paisagem de sonhos, seu apito parecia um gemido de amor. Sacolejava, sacolejava como se o fizesse para acomodar os passageiros no seu espaço tão pequeno. E, nesse arrastar, me levava a meu mundo de sonhos e fantasias: PILÔES. A vila pequena, encravada entre montanhas, se escondia dos olhares estranhos, se protegia dos desconhecidos. Na entrada, o pequeno cemitério me fazia desviar o olhar para as bananeiras em frente.
Na chegada, era hora de fazer uma rápida visita, uma inspeção aos meus domínios de fantasia. Adeus hora de refeições, de banhos, de estudos. Tudo tinha ficado para trás. Agora só liberdade, e, isso eu sabia usar com maestria. Usar a liberdade da maneira mais plena, mais completa. A felicidade era total. Eu estava inteira, e, pronta para viver tudo que fosse possível ou impossível. Alí eu me encontrava.Era eu. Adeus restrições, normas, regras, Sentia-me personagem de um conto de fadas capaz de fazer do sonho, realidade.
Na primeira manhã, lá ia eu em direção ao engenho de mundinho. A distância não era grande, mas minha ansiedade a tornava bem maior. Uma ligeira lombada era atravessada e só depois, se descortinava o engenho.
Tudo alí me fascinava. Meus olhos corriam por todo o cenário e se estasiavam. Logo em frente, a casa grande alpendrada, ladeada por um jardim coberto de flores mil, mil cores se misturando numa convivência pacífica, numa mistura de coloridos de causar inveja ao melhor pintor. Do lado direito da casa, o ápice de tudo: o engenho. Perfeito, assombroso até. Ao entrarmos, encontrávamos logo os tachos. Meu Deus, que tachos! Ainda hoje brilham na minha memória. Como conseguiam aquele brilho? O cobre na sua opulência máxima.
A garapa escorria pela bica feita de bambú que a levava ao primeiro tacho. Daí, era uma fila de tachos cada vez menores. No último, o supra sumo do sabor. O melaço. Aquele melaço grosso, de cor dourada, de sabor indescritível, de cheiro doce entanhando nas narinas. E, havia um segredo: se batéssemos o melaço com duas canas, antes dele esfriar, ele virava alfenim. Em determinado momento a puxa morria, açucarava e dava lugar ao alfenim. O alfenim desmanchava na boca, misturava com a saliva numa explosão de prazer. Era demais para minha sensibilidade já aguçada. E, eu vagava naquele cenário tão estúpidamente poético, me empanturrava de mel, rapaduras e alfenins, melava minha alma, adoçava meu coração. Os empregados do engenho, a meu ver, era selecionados pelo físico, todos avantajados, exibiam seus músculos dourados pelo calor, peito á mostra, eram parte viva do engenho.
Do lado de fora do engenho, perto da fornalha que o abastecia,ficava a bagaceira. Um caso á parte. Lá ,era o local escolhido para as brincadeiras de toda espécie. O bagaço amortecia a queda das crianças e dos amantes que de lá faziam seus leitos de prazer. O cheiro do mel e do bagaço da cana, impregnava meu corpo. Eu fazia parte do cenário.
Ao anoitecer o trabalho terminava, mas, a fornalha continuava a crepitar para manter o engenho vivo. Nada mais triste que um engenho de fogo morto.
O engenho de mundinho morreu, hoje é apenas e somente um engenho de fogo morto. Com ele morrí um pouco.
Que pena! Que saudade!