QUANDO EU CRESCER... (Cronica infantil sobre os grandes "problemas da vida")

Nasci numa manhã perfeita de um dia também perfeito, como todas as manhãs e dias perfeitos. Fui tratado com muita proteção, carinho e enorme atenção. Conheci meus pais. Conheci meus irmãos e aos poucos fui apresentado aos parentes e amigos da família. Tudo era espantoso para mim. Parecia que tudo era som. As tantas vozes. O som da televisão. O rádio. Sons de bichos de dia, bichos à noite. Chuvas, trovões, relâmpagos e um “papagaio conversando”... Estranhíssimo. E até mesmo os sons, também espantosos, de meu próprio choro e pum.

Fui me familiarizando com esse outro universo, estranhamente mais, mas muito mais livre. Lembro-me gostar muito de acordar de madrugada e ficar delirante olhando umas coisas cintilantes coloridas balançarem sobre minha cabeça em meu esplêndido berço. Foi em uma dessas madrugadas que descobri que tinha braços, mãos e pés, todos eles por sinal, uma delícia para morder, chupar e me babar todo. Fiquei eufórico com o gosto e com as descobertas em meu corpo. Meu pai e minha mãe para mim foram e são, pessoas sempre presentes e únicas. Perfeitos exemplos de vida, verdadeiros heróis, eternos e sempre presentes.

Não tardou para que os dias se transformassem em meses, anos. Me via agora correndo, gritando, estudando e compreendendo os valores da vida. Certa vez chorei sozinho querendo compreender porque os adultos brigam tão seriamente. Pensava: Não seria mais fácil uma cara ruim seguida de uma cabeça baixa para reprovar aquilo que não gostou e depois beleza, acabou, começa tudo do zero. Ora, com nós crianças, isso da certo mesmo sem saber-mos se realmente isso é certo, a natureza de cada um de nós se manifesta de forma passageira em momentos de chateação. Fechamos o rosto cruzando braços, colocamos as mãos para traz e abaixamos a cabeça. Às vezes quando nos sentimos enfurecidos, choramos recolhidos, damos uma birrinha, evitamos comer, dormir, tomar banho. Mas jamais rompemos com seu ninguém. Pai, mãe, irmão nem pensar.

Os tantos modos de irritação, negação, descontentamento e reação ao que não gostamos, seria inútil se não fossem as pessoas do nosso lado, ou seja, nós precisamos uns dos outros para tudo, se não como iríamos aprender, sem nossos pais por perto, o que é certo ou errado?

Quando eu crescer, vou saber realmente como carregar para o futuro, essa maneira de lhe dar com os “grandes problemas da vida”. Estive pensando ao ver meu pai e meu tio discutindo há um bom tempo atrás, falando auto um com o outro, quase se agredindo... Já pensou se eles resolvessem seus “grandes problemas da vida” de maneira mais infantil, com as regras naturais de nossa infância? Olhariam um para o outro e fechariam suas caras de animais raivosos e apenas, apenas, colocariam a língua para fora e diriam: “Belém. Belém. Nunca mais ficar de bem”. Não tardaria segundos e lá estariam sorrindo da infantilidade e dessa forma resolveriam seus “grandes problemas da vida”.

Hoje me sinto triste porque meu pai e meu tio não se falam há tempos. Não entendo porque as pessoas maiores não se entendem facilmente se nos ensinam diariamente os valores da educação com tanta facilidade. Será que quando vamos envelhecendo esquecemos cada vez mais o que aprendemos quando criança? Ou será que a vida é assim mesmo, e é natural que as pessoas vão ficando menos inteligente. Menos carinhosas. Menos educadas. Menos brincalhonas...

Eu não quero isso para mim não. Prometo que quando eu crescer vou ser igual ao que sou agora. Quando crescer vou fazer de tudo para não brigar ou discutir com ninguém, mas se preciso for... Quero juntar os lábios, fazer bicão, fechar os olhos com cara de cachorrão feroz, depois fazer beicinho, rosnar e sair de perto de quem estiver me chateando. E se eu causar algo para alguém e perceber na cara dele que errei, vou pedir desculpas e chamá-lo para brincar de novo. Só em último caso que eu vou botar língua. Só a metade. Desse jeito não precisarei ficar meses e anos sem falar com seu ninguém.

Imaginem uma pessoa grande fazendo cara de criança, emburrando, fazendo beicinho, rosnando com cara feia, colocando língua... Isso faria qualquer um sorrir, descobrindo assim que é sorrindo que entendemos melhor um ao outro. Isso é que é uma atitude inteligente com gestos infantis a ponto de não levar muito a sério os “grandes problemas da vida”. Tenho certeza de criança que o mundo será melhor a partir de mim. Vão perceber que isso dá certo e todos vão querer me copiar. Já pensou o mundo todo sorrindo e brincando, crianças com gente grande, gente grande com gente grande. Seria muito legal. O presidente de um país em briga com outro, colocariam língua um para o outro e assim não teria guerra, só um birrinha. Mas se caso houvesse um “Belém. Belém. Nunca mais ficar de bem”, aí a coisa teria que ser resolvida na base da "guerra fria": Os soldados iriam guerrear com arminhas de água e quem molhasse mais o outro ganharia a guerra, só que não valeria jogar água nos olhos.

Quando eu crescer ficarei grande suficiente para mudar o mundo, para melhor.

FIM

Francisco Fernando Lopes

Ferock
Enviado por Ferock em 19/05/2010
Código do texto: T2266341
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