Na Saída do Motel
Luiz ia pilotar, pela primeira vez, um B-707, vôo cargueiro, saindo do Galeão para Zurich. Faziam parte da tripulação: seu instrutor de vôo, dois engenheiros e dois co-pilotos.
Detalhe: era sábado de carnaval. Sapucaí bombando! E aí, eu pergunto: o que é que tem, na cabeça, um ser humano que decide iniciar um processo dessa magnitude na alvorada do reinado de momo? Claro que alguma coisa tinha que dar errado. Na checagem dos aparelhos, constatou-se um defeito na aeronave. Foram atrás dos técnicos para consertar. Descobriram que um saiu mais cedo após receber uma ligação anônima informando que sua nega não estava no retiro espiritual da igreja e sim num tal de bloco do Tô-Que-Tô. Outro precisou ir ao enterro da avó. Só depois souberam que esta já era a terceira que ele matava naquele início de ano, mas aí, já era tarde. Restou o Zé. Na maior ressaca, disse que o problema era na peringuela dos estriboscópios e que iria encomendar, mas ia levar umas doze horas para chegar lá de Marte.
- De onde???
- Do Campo de Marte, gente!!
- Ah! o Aeroporto...
Viesse de Saturno, o que importa é que não adiantava eles permanecerem ali. Melhor seria caçar um hotel e, quem sabe, ainda dar uma rodadinha pela cidade?
Você acharia um hotel para acomodar seis marmanjos em plena noite de sábado de carnaval no Rio de Janeiro? Não?? Nem eles!
Acharam três vagas no Luxor perto do Leme. Lá ficaram os engenheiros e um dos co-pilotos. O outro arranjou-se com uma comissária "amiga" que encontrou no lobby, pois "é carnaval, é folia e nesse dia"... "ninguém é de ninguém, na vida tudo passa".
Ficaram faltando Luiz e o instrutor. Os dois, comandantes, fazendo uso da "patente", ambicionavam um 5 estrelas. Tudo lotado. Baixaram o nível de exigência: 4 estrelas, 3 estrelas, duas esporas... lotado... lotado.. lotado.
Resolveram apelar. Já de madrugada, foram parar na portaria de um motel. Kombão, um baita VARIG pintado na lateral e da caixinha mágica ao lado do interfone surge uma chave. Uma chave!! Para um quarto!! Após os elogios de praxe à progenitora do rapazinho da recepção, conseguiram outro.
Difícil dormir sob ataque dos sons do amor alheios, mas estavam exaustos. Foi bater na cama redonda e apagar.
No dia seguinte, duas da tarde de um domingo abafado e quente, Rio de Janeiro fervendo em samba, saem os dois juntos do motel, vestidos de piloto com quepe e tudo para esperar a kombi da companhia que viria resgatá-los. Pra que tentar desmentir se ninguém ia acreditar?
Deram-se os braços e puseram-se a cantar "ai que calor, ô ô ô ô ô ô".
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Agradeço ao amigo Luiz, a base da história e as expressões em vermelho usadas no texto.
Os trechos entre aspas são pedacinhos de letras de música:
Samba Enredo 1982 - Império Serrano
Ninguém é de ninguém - U.Silva/T. Gomes/L. Mergulhões
Allah-La Ô - Haroldo Lobo/Nássara