ACEITA UMA BALA?

Alguém me diz “Ele é um Lord”. Concordo. Um cavalheiro! Poucos têm sua gentileza. Quer um favor? Um serviço? Ajuda pra qualquer assunto? Não peça. Deixe-o adivinhar. Está prontinho para o que for preciso. Alegre, bem humorado, solícito. Sempre uma energia boa. Tanto que parece nem envelhecer. O tempo parou no seu rosto lindo. Elegância no porte. Fineza nos modos. Cortesia nas palavras. Já viveu meia vida, mas é um jovem no sentido real da palavra.

Gosta de agradar, de presentear. Em datas certas ou fora delas. Surpreende pela atenção. É primavera? Lá vem o vaso de orquídeas pra comemorar. Não por acaso, é o maior cliente da floricultura. É formatura? Uma lembrancinha pra marcar a data. É aniversário? Olha só os bombons que sei que gosta tanto. É nada? Olha só o pacotinho de balas... Vi, me lembrei de você...

Pacotinho de balas. Balas de todos os sabores, produto da cidade. Deliciosas, exportadas para o estrangeiro. Vêm em embalagens pra presente. Uma apresentação refinada. Bem do jeito que ele gosta. Sempre tem um monte delas. Leva-as aos recepcionistas. Aos vendedores que o atendem. Aos parentes que visita. Aos amigos que moram fora. Mais doce que as balas? O sorriso que vem com elas...

Fizemos uma viagem. Entrei no carro, vi o pacote “Pra quem são?”. Eram pra menina de um órgão público onde ele ia buscar uns papéis. Eficiente, atenciosa e educada. Educação é com ele mesmo! Longos anos de trabalho num grande Banco. Destacou-se pela gentileza com os clientes... O carinho com os idosos, a paciência com os desinformados...

Entramos na repartição. A moça vem atendê-lo. Ela tem realmente um sorriso gentil. Entrega-lhe os papéis. “Tudo certinho, assunto encerrado!”. Ele estende a embalagem do pacote de balas. “Pra você, uma gentileza”. Ela fica constrangida. Parada. “Sinto muito, não posso aceitar brindes”. Ele surpreso “Não é brinde, são só balas. Lá da minha cidade, pra você experimentar”. Ela some por uma porta. Vai consultar alguém. Volta vermelha, sem graça “Sinto muito, não estou autorizada”. Conformado, ele acena e sai de cabeça baixa.

Entramos no carro. Ainda desconsertado, abre o pacote. Olha pra mim meio desconsolado “Aceita uma bala?”. Um riso pálido “Que bobagem, né? Umas balinhas...”. Põe uma das balas na boca. Engasga-se. Parece meio sufocado. Percebo seu desgosto. Não digo nada. Certeza: aquela bala está ruim. Meu Lord não sabe disfarçar...

Um País de ironias: de um lado tanta permissividade em falcatruas e corrupção; de outro, tanto rigor com uma simples gentileza...