ÀS BRINCA

Ai-ai, lá vou eu de novo... Admito: eu não sei jogar peão. Pronto, falei, admiti, pode rir, sem problema. Não sei mesmo, nunca aprendi. Enrolava-me todo com o barbante e o treco sempre caía chapado no chão. Além disso, também era uma incompetência em soltar pipa, em jogar búlica, não sabia fazer carrinho de rolimã e no estilingue era um fiasco. Satisfeitos agora? Então, qual o veredicto, hein, hein? Pois que atire a primeira pedra aquele aí que nunca se sentiu inferior em determinada coisa. “Pô, Beto, mas você era inferior em tudo.” Hum!, é... bom argumento.

Mas, sabem, eu nunca entendi, por exemplo (meninas, me desculpem se vocês não entenderem lhufas do que estou falando), aquele negócio de “às brinca, jeits, palms, etc.”, que rolava nos jogos de búlica, ou bolinha de gude. Achava tudo muito complicado. As poucas vezes em que tentava me arriscar me dava mal. Sempre aparecia um lazarento com uma bola de chumbo, de rolamento, do tamanho de uma laranja-lima e rapelava geral. Aprendi com o tempo que eu sempre deveria jogar “às brinca”, porque se fosse "às ganha", valendo mesmo, me ferrava e perdia tudo.

Estilingue, então, era lamentável. Aquele treco sempre me fazia passar vergonha. Colocava a latinha pendurada, tomava distância, escolhia a pedra mais aerodinâmica, esticava, esticaaaaava e, vlupt!, a pedra caia a uns três passos de mim – desde aquela época penso em fazer academia. Em relação ao carrinho de rolimã, o problema não era pilotar e, sim, fabricar um. Nunca levei jeito pra ser marceneiro e sempre que tentava era dedo martelado e farpas às pencas na mão.

Agora, o jogo que realmente me intrigava na infância era aquele que tinha as verdadeiras características que importavam para o desenvolvimento sadio, intelectual, cognitivo, motor e, principalmente, de formação de caráter do indivíduo: a malha. Horário do recreio no colégio era uma festa e, como sou este cara parrudo, alto e forte desde pequeno, sempre era eu a iniciar a peleja. Funcionava da seguinte maneira: pegava-se uma latinha de refrigerante, que deveria ser devidamente amassada. Chegava-se próximo à turma, pé ante pé, e, de repente, quando ninguém esperava, a lata era chutada em direção à galera com o grito inconfundível “MALHAAAAAAAAAAA!”

Maluco, aquilo virava um pandemônio. Era só bordoada e neguinho tentando bicar a latinha e se proteger ao mesmo tempo. Quando menos se esperava, um bocó (o qual eu fui várias vezes) deixava a dita passar por debaixo das pernas e daí... pancada. Mas não era, assim, pancadinha amistosa; era o Mike Tyson em noite inspirada, meu povo. E sem dó do caboclo. O linchamento só terminava quando o vivente – ou morrente, dependendo do caso – chegava ao pique, que sempre ficava, propositalmente, longe. O pior é que o surrado sempre voltava para a brincadeira, e dando risada. Moleque é um bicho meio besta, fala a verdade.

Enquanto isso, na Sala de Justiça (sempre quis escrever isso, hehe), as meninas ficavam com suas barbies, suas panelinhas, suas vassourinhas e cecisinhas cor-de-rosa, a trocar papeis de carta. Não fiquem chateadas, só estou relatando minhas lembranças. Aliás, acho isso tudo uma tremenda sacanagem, pois dessa forma as meninas eram, desde pequenas, doutrinadas a serem as “donas de casa”. Quem disse que elas queriam isso? Não concordo mesmo.

Por outro lado, vejam só, minhas hoje queridíssimas leitoras, vocês não precisam conviver com esses meus traumas por não conseguir jogar nada direito, por não conseguir empinar sequer uma pipa ou desenrolar um nostálgico peão de madeira. Se pensarmos bem, talvez não seja de todo mal que meninos e meninas tivessem suas brincadeiras distintas. Afinal, o que seria do azul se não existisse o vermelho? O que seria das barbies se todos só jogassem peão? O que seria da pêra, ou da maçã, se todos só provassem a uva? Aliás, eu gostava de todas e sempre pedia “Salada mista!” Taí!, pelo menos um jogo em que eu mandava bem (mentiiiira...).