Mal-Ouvido



Quanto mais viajo de avião, mais me impressiono com o que vejo, algumas vezes beira o ridículo.

Esses dias eu fui a uma feira de negócios em Ubá – MG. Meu vôo saiu de Maceió para BH com conexão em Salvador, já em terra a espera do avião que faria o outro trecho, recebemos a informação de que este não pôde parar por conta da neblina (é, neblina em plena capital baiana), embora o céu estivesse limpíssimo, mas também não entendo patavina de “tempo” para averiguar a veracidade da informação.

Fiquei lá quietinho aguardando novas informações e fiquei analisando o que deve ser modismo, para não dizer outra coisa.

Cada vez mais passageiros, empurrado pelos horários ou pela má prestação de serviços nos aeroportos, levam bagagens gigantescas que podem ser tudo menos bagagem de mão. São como “caçuás de mangalhos” em lombo de jerico.

E eis que aquela voz, outrora sensual que despertava até libido, soa desgovernada, sem ritmo, quase histérica informando que façam fila dando preferência a idosos, gestantes, crianças e pessoas com dificuldade de locomoção, seguido por portadores de cartões fidelidade... e não é que os portadores destes, por não serem idosos (invariavelmente), gestantes ou crianças, insistem em postar-se na dianteira como que o avião fosse galopar céu afora o deixando para trás!

Com a destreza de um Neymar (para os atuais) ou de um Garrincha (para o que tiveram o privilégio de vê-lo em campo) outros passagerios driblam os demais com aqueles caçuás nas costas, dando pontapés nos rostos menos avisados a la Júnior Baiano corredor afora da aeronave e, enfim, toma o espaço do bagageiro (geralmente destinado a três pessoas) só para ele.

Acreditem, basta olhar nos semblantes destes para se perceber o tamanho da satisfação desta “batalha” vencida, enquanto se prepara para outra.

Que outra?

Ora, vocês nunca repararam quando a aeromoça ou o comissário dão as boas vindas ao final do destino em dois idiomas e orientam a todos a permanecerem sentados, cintos atados até que o avião parar por completo e celulares desligados até o saguão do aeroporto?

Eles nem chegam a terminar as frases de praxe e já se ouve os cliques dos cintos, mesmo o avião ainda em movimento, os bagageiros abrindo frenéticos e os tin-tons dos mais diversos de celulares alardeando seus renascimentos.

Façam um teste na próxima viagem de vocês, olhem para a tripulação neste momento, eles ficam com uma cara de “que parte eles não entederam!”.

Mas, depois de novo atropelo até a saída do avião, enfim a paz, pelo menos para mim que sai por último totalmente ileso, mas também preocupado: onde é que vamos parar se não conseguimos ouvir, respeitar e seguir orientações tão modestas quanto a de um simples vôo?

Meu avô materno, o pai tonho, diria: “Oxe, que menino mal-ouvido! Tá ruim das oiças, condenado! Arrespeite as ordens!”.

Mesmo indignado seria isto a única coisa que ele pensaria, não acreditaria que fosse falta de educação.

Já eu tenho certeza.


 

Flávio Omena
Enviado por Flávio Omena em 17/05/2010
Reeditado em 15/06/2014
Código do texto: T2263198
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