Saudades...

Como é difícil viver aqui com a perda dos entes queridos... Eu que já perdi uma filha para a fila de transplantes de órgãos, achava que depois disso conseguiria superar qualquer outra partida de alguém querido... Ledo engano! Três anos se passaram da morte de minha filha e, hoje, aprendo a conviver mais uma vez com a saudade... Saudade do meu pai! Nós, que ficamos deste lado do caminho, tentamos nos agarrar às nossas crenças, aos abraços amigos ( e é nessas horas que reconhecemos os verdadeiros), à família para suportar a ausência que fica.

Tenho mais dois filhos, mas nenhum deles supre a carência que sinto da Natália, a filha que se foi. Mas, de alguma forma, sei que eles estão ali, dependentes, precisando de mim. E isso me mantém de pé, firme, soando aos meus ouvidos a célebre frase popular: "E a vida continua..." E continua mesmo! Contas a pagar, preocupações no trabalho, organização da casa, educação das crianças, etc etc etc.

Mas... PAI...! Nunca imaginei ficar sem o meu, embora seja essa a lei natural da vida - os pais vão antes dos seus filhos - nunca pensei que seria assim, tão cedo, tão de repente. Papai sempre foi tão presente em minha vida...

Era meu pai que preparava meu leite com Nescau até quando era grandinha. O sabor era mais gostoso quando ele fazia. Era meu pai que estudava aqueles longos capítulos dos livros de História e Geografia. Era meu pai que me ensinava a fazer continhas com palitos de fósforos. Era meu pai que contava as histórias de Branca de Neve trocando os nomes só para eu corrigir. Era meu pai que ria igual a Zacarias dos Trapalhões. Era meu pai que fingia ser um monstro para me pegar. Era meu pai que recebia meus trabalhos de artes da escola e duvidava da minha proeza artística só para me ver confirmando orgulhosa.

Cresci, virei adolescente. Aprendi a gostar de ler, de ouvir Beatles e Milton Nascimento. Aprendi a amar cinema e teatro por influência do meu pai. Estudei e estudei muito até nos momentos mais difíceis de grana, passei no vestibular e foi pelo meu pai que descobri minha classificação no jornal. Lembro-me de quando ele apareceu na rua, acenou com o jornal na mão com um rosto que mostrava uma felicidade enorme... Corri até ele, nos abraçamos e ele me disse: "Parabéns, você conseguiu."

Foi com meu pai que cheguei até a UFRJ para fazer minha matrícula. Foi com meu pai que voltei várias vezes à faculdade de madrugada para conseguir vaga na unidade de educação para formação de professores. Foi com meu pai que comemorei a vitória da minha formatura.

O tempo foi passando... Virei esposa, mãe. E ele sempre esteve ali do meu lado. Foi com ele que aprendi a sonhar... Sonhar em ter meu próprio negócio... Foi com meu pai que dividi o sonho de abrir uma escola, de ter minha casa própria e tantas outras coisas.

Quando passei pela doença da minha filha, internada tantos meses no hospital, meu pai não mediu esforços para me ajudar. Recorreu a pessoas que jamais o ajudariam... Mas ele era petulante, enfrentava qualquer leão... Mas não tivemos êxito, Natália faleceu e foi o bastante para mudar o meu pai que nunca mais foi o mesmo. Papai se revoltou com o mundo -com as desigualdades, incompetência médica e presunção típica desta categoria. Passou a acreditar que a neta tinha sido "assassinada" por ineficiência burocrática que rege o sistema dos transplantes no Brasil, passou, inclusive, a pesquisar e pedir que os jornalistas investigassem o tráfico de órgãos. Em vão, nunca atenderam seu pedido.

Quando tentava me reerguer, voltando ao trabalho, foi meu pai que tomou conta do meu filho mais velho, na época, com cinco anos. Ele foi fantástico!

Papai tinha milhões de defeitos... Mas quem não tem? Falava de tudo e de todos. Sua revolta aumentava cada dia mais. Não entendia a vida, a morte, questionava o amor da família. Ele mesmo se dizia "a ovelha negra". Mas se alguém precisasse de sua ajuda, não negava jamais. Era muito prestativo.

Ultimamente, vinha à minha casa quase toda manhã. Tomávamos café e ele comia bananas. Nunca conheci outra pessoa que gostasse tanto de banana. Nas últimas conversas, papai se dizia um homem frustrado, dizia que a vida tinha lhe tirado o direito de sonhar. Era, agora, um realista pessimista. Dizia que não era daqui e como se já soubesse, dizia que não tinha mais medo de morrer. Pediu para que eu tomasse conta de minha irmã para que tivesse boas orientações nos estudos.

Na manhã que ele se foi, nós nos falamos pelo telefone. Eu não disse que o amava e nem que ele era importante em minha vida. Mas acho que ele sabia, pois eu costumava escrever algumas cartinhas que ele, depois, perdia. Sempre o escutei e ele também me escutava. Meu pai era meu amigo!

Não tenho mais o meu pai, o meu amigo, o meu parceiro de ideais... Não tenho mais aquele que me ajudava a sonhar... Mas tenho suas lembranças vivas no meu coração... Tenho as saudades mais sinceras, o amor mais puro... O amor entre pais e filhos. Desculpem-me pelo pedido tão clichê, mas não deixem de dizer à pessoa que se encontra ao seu lado na luta diária o quanto ela é fundamental, o quanto ela faz diferença em sua vida... Principalmente aos seus pais. Porque, se um dia eles tiverem que ir, assim, tão de repente, você experimentará um alívio na alma como eu, apesar da saudade imensa, experimento hoje.

INGRID RIOS

Ingrid Rios
Enviado por Ingrid Rios em 17/05/2010
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