Trancado por Dentro
Sempre fugiu do confronto. Todas as vezes que alguém queria lhe ajudar falando a verdade, sua fisionomia mudava. Fechava a cara – como dizia minha mãe –, e quem quer que fosse que ousasse lhe estender a mão numa atitude de amor, sentia o efeito do seu olhar gelado que afastava as pessoas. Entre uma mentira confortante e uma verdade doída, sem dúvida, preferia a mentira, ainda que fosse remetido à fantasia, sem que nada de fato lhe fosse acrescentado. Trancado por dentro, não permitia que ninguém lhe socorresse.
Como resultado dessa escolha, seus relacionamentos eram superficiais. Nada de muito sério, nada que pudesse lhe causar algum desconforto. Sentia-se ameaçado quando percebia que alguém estava chegando muito perto dos territórios da sua alma que ele desejava que não fossem penetrados. Seus muros de proteção eram sólidos, estrategicamente construídos por ele mesmo ao longo dos anos, a fim de mantê-lo seguro no seu mundo interior. Uma segurança que não lhe trazia paz, pois ainda que não permitisse que a alma fosse tocada, mesmo assim, por trás dos seus fortes muros de proteção, a dor era intensa e ele chorava sozinho.
Paradoxalmente desejava ver-se livre da dor, mas não permitia que ninguém tocasse a alma ferida a fim de curá-la. Então, decidiu viver assim: trancado por dentro. Infelizmente, o anseio da cura perdeu para o medo da exposição.