QUANDO A NATUREZA SILENCIA POR ALGUNS SEGUNDOS
Tudo aconteceu numa bela tarde de Dezembro do ano da graça de 1977. Alguém falou que na fazenda, Barra de Dona Rosa,havia um jacaré na lagoa.Sem ter o que fazer,eu e Delvany resolvemos ver isto de perto.Tõe Rosinha pulou fora e não quis ir porque, teríamos de andar cerca de seis quilômetros para ir e mais seis para voltar.
Dealvany pegou a cartucheira do pai dele e alguns cartuchos, colocou a espingarda nas costas e juntos deixamos a cidade, rumando para a fazenda. Enquanto deixávamos as ruas e as casas para trás, através da rodagem que liga Santa Maria à Correntina,e, à medida que entrávamos na estrada que era a via de acesso para a Barra, íamos conversando, como era de praxe, sobre vários assuntos. Delvany, como se fosse um caçador emérito e experiente, explicava que, o tiro no jacaré, o alvo a ser atingido tinha que ser entre os olhos, senão ele não morreria. Eu explicava a ele alguns detalhes da paisagem por onde passávamos. Sempre olhávamos os inúmeros cajueiros, os pequizeiros ,as cagaiteiras , os grão de galo, as bananinhas e os tapetes de macambiras etc. onde tudo formava uma bela paisagem que, sempre me acompanhou por toda a minha infância e adolescência.
Quando chegamos num dado momento, embaixo de um frondoso cajueiro, eu expliquei a Deva que ali era o marco da metade do caminho, ou seja: já havíamos andado três quilômetros, e que teríamos mais três a percorrer. Ao passarmos por uma baixada no meio da macambira, eu me lembrei que aquele lugar, tratava-se da baixada do burro. Mas qual é o motivo deste nome? Perguntou Delvany. Segundo a lenda, respondi que um dia, um burro bravo empacou lá e acabou morrendo de tão amuado o desgraçado da besta. Ai deram o nome de baixada do burro, para esta baixada .Uma vez vimos um jumento morto mais adiante,tentamos dar o nome de subida do jegue ,mas não colou esta tentativa de nominar aquela subida.
Entre papos e outros, finalmente chegamos na fazenda da Barra de dona Rosa. Visitamos vários lugares nos quais, durante toda a minha infância costumava brincar. Passamos pelas mangueiras, passamos pelas goiabeiras, olhamos o rio Corrente e finalmente chegamos na lagoa . A fazenda tinha a parte alta onde ficava a maioria das árvores como os umbuzeiros, os pés de jatobás e os juazeiros e outras. Na parte baixa, ficava o rio, as mangueiras,as goiabeiras,os araticuns cagões, e a famosa lagoa. O nosso foco principal foi a beira da lagoa. Enquanto eu tentava pescar(coisa que eu não sabia) o Dealvany vasculhava toda a margem cheia de mato da lagoa, em busca do tal jacaré. O que era mais engraçado é que, quando ainda garoto, eu morria de medo de ficar sozinho à beira daquela lagoa por causa da história de uma jaracuçu gigante(que será mencionado no livro Mundo de Areia)e, como adulto, também.Quando o Dealvany se afastou para caçar o tar de jacaré, eu também me afastei da beira da lagoa, com medo de ficar sozinho. Depois de algum tempo, ao perceber o seu retorno, voltei imediatamente para a tal pescaria, a fim de que ele não percebesse que eu estava com medo de sucuri e do próprio jacaré fantasma ,caso aparecesse.
Entre pombas e delongas, a tarde começou a cair e , sem localizar o inexistente jacaré, resolvemos voltar para a cidade, ou seja, mais seis quilômetros a andar, na canela. Enquanto caminhávamos pela estrada de areia, falávamos de muitos assuntos, até que Delvany me contou um fato interessante, fato esse falado um dia por sua avó em Mato Grossoo que, ao cair da tarde, na chegada da noite, nas matas, tem um pássaro que quando canta, toda a floresta fica silenciosa por alguns instantes, correspondentes a alguns segundos de silêncio.
Vamos tentar verificar se é verdade, sugeri, e Bochecha topou. Bochecha é o apelido de Delvany, para nós os amigos e Deva, para as suas lindas irmãs. Então, naquele exato momento, resolvemos andar com os passos bem mais lentos e ficamos a espera do evento. E ele realmente aconteceu. Assim que o último raio de sol desapareceu no horizonte da mata, ouvimos um canto forte e estridente de um pássaro, parecido com o grito de uma gralha e pasmem, toda a mata ficou num silêncio total e misterioso. Dava até para ouvir as nossas respirações. Durou cerca de vinte e oito segundos apenas! Mas parecia uma eternidade! Ficamos arrepiados e extasiados com o que presenciamos naquele momento!Que maravilha a natureza criada por Deus. Tanto tempo frequentando as matas deste gerais maravilhoso da Bahia, e jamais tive a capacidade de perceber fatos como este! Aos poucos os barulhos da mata voltavam ao seu status normal. Começamos a ouvir o chiar dos grilos, o cantar dos pássaros noturnos etc. Obrigado a avó do bochecha que passou a ele este dado tão fantástico, o qual nos possibilitou passarmos ou melhor,vivenciarmos momentos tão especiais como aquele. Azar do Rosinha que não quis participar da caça ao jacaré fantasma e que perdeu,talvez, algo que não veremos jamais no futuro neste sertão baiano, pois estão acabando com as nossas, as matas dos gerais e a nossa faunas. A natureza quando se cala é para reverenciar algo de importante como o da chegada da noite no sertão ou do amanhecer. Quando ela protesta ,ela o faz veementemente com respostas pesadas, ativas, que provocam tragédias. Vamos conservar a nossa natureza! Vamos conservar a nossa vida! Vamos conservar o futuro para as novas gerações. Este fato foi verdadeiro e nunca saiu da minha memória desde aquela tarde de verão,meio ensolarado e meio nublado nos gerais de Santa Maria da Vitória.
Escrito por Aristórbio, em homenagem a Delvany e família.