Passageiro clandestino


          A empresa aérea e o Johnnie Walker foram os responsáveis pelo que me aconteceu naquela noite.
A empresa porque não conferiu meu cartão de embarque; e o uísque porque me fez embarcar daquele jeito!
        Aqui, mais uma vez confesso que tenho medo de voar. Para criar coragem, recorro a um escocês legítimo; a uma cervejinha; ou a um bom vinho tinto-seco.
         Por isso, protestei, com veemência, quando soube da proibição de servir bebida alcoólica em nossas  aeronaves, nos voos domésticos. Sem uns reforçados tragos, este covarde cronista, durante o voo, não come, não lê, e pouco conversa.
         Permaneço com minha poltrona na posição vertical, e mantenho meu cinto de segurança afivelado; mesmo que o avião esteja  atravessando céu de brigadeiro. 
         Pouco adianta o comandante garantir que a viagem está transcorrendo às mil maravilhas. Ao primeiro sinal de uma  turbulência, boba que for, tremo.
          Muito bem. Naquela noite, o plano de voo a ser cumprido pelo meu avião era este: São Paulo-Frankfurt, com escala em Salvador, o meu destino. 
          Decolei de Sampa às 20 horas. Duas horas e meia, depois, ou seja, por volta das 22:30 horas, deveria pousar no Aeroporto Internacional de Salvador, que espero volte um dia a ser  chamado Aeroporto Dois de Julho.
          Concluída a decolagem, foi-me servido um insípido lanche, que recusei. Lembrado de que, em minha casa, uma moqueca de camarão, fumegando, me esperava. 
          Alguns minutos de tranquilo voo, e, de repente, ouço esta mensagem:  -  " Senhores passageiros, com destino a Miami, com escala no Rio de Janeiro, boa noite! Dentro de alguns minutos estaremos pousando no Aeroporto Antônio Carlos Jobim."
           Empalideci. Chamei o comissário de bordo, e, aflito, lhe disse: - "Amigo, estou indo para Salvador e não para Miami."  O comissário também mudou de cor! 
            A partir daquele momento, passei a me considerar um passageiro clandestino. Com certeza tomara o avião errado.  Aí pensei: "Meu Deus, e agora?"
            Não escondendo sua preocupação, o comissário aconselhou-me a desembarcar no Rio. E, sem perda de tempo, procurar o Box da empresa aérea responsavel pelo meu equivocado embarque. 
            Desembarquei no Galeão pisando em brasas. Apesar de um tanto atordoado, encontrei o Box indicado, com surpreendente facilidade; e fui, imediatamente, atendido por uma afável e sonolenta carioquinha.
           Expus-lhe o meu problema. Ela disse compreender o meu drama, mas foi incisiva: "É, senhor, seu avião era outro, ou seja, o avião de Frankfurt, com escala, sim, na Boa Terra."
            Consultou, novamente, o computador, e me informou que, àquela hora, os voos para Salvador estavam encerrados.   E foi logo me dizendo: "O  senhor vai ter que pernoitar no Rio."  Querendo ser gentil, completou: "Tudo por conta da nossa empresa."
            Quase em pânico, perguntei-lhe: "Moça, e a minha moqueca? Como fica?"           E ela: "Que moqueca? O senhor vai ter que se contentar com um sanduíche de mortadela; logo mais, ele lhe será servido." E com um discreto bocejar, despediu-se de mim e do computador. Aceitei o pernoite e o sanduba com relativa resignação.  Não havia outra alternativa.
              Puseram-me em um bom hotel; um 4 estrelas. O ar refrigerado do quarto obrigou-me a ficar o resto da noite de paletó. Minha mala, passageira do avião de Frankfurt, já se encontrava na Bahia, segundo fora informado.
             Não consegui dormir. Um leve cochilo, e nada mais. Quando o dia amanheceu, tomei um garrafinha de Ballantin's, a última do frigobar, e embarquei no primeiro avião para Salvador.
              No almoço, ao lado de Ivone, satisfeita com meu retorno, comi a moqueca de camarão, contando-lhe o que me acontecera. Demos boas e prolongadas risadas...

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 26/08/2006
Reeditado em 04/09/2020
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