A CARA DA SOCIEDADE

É... Sou isso mesmo, um ladrãozinho de beira de praia, qualé mano, vai tirar uma com a minha cara??

Aproveitador e oportunista. Deu mole é comigo mesmo. Às vezes to só de bobeira; mas aí vejo a mina, desfilando no calçadão, com o celular da moda, penduradinho na cintura... Pedindo pra ser apanhado... Vou dá mole, eu não... Se eu não pego, vem outro e leva.

Adoro quando a mulherada, principalmente as velhas, desce do ônibus, na orla da praia carregada de sacolas... Eu chego a da risada... coitadinhas, num pulo só; eu arrebato todas. E elas ficam lá paradas com cara de boba e não fazem nada. Velho também é fácil de engabela.

Se eu tivesse pai ou avô assim já dobrando o cabo, nunca que eles ia sai sozinho; pra neguinho mexe com eles... mas é nunca.

Agora, minha mãe sempre que tem que saí, to junto dela ou ponho neguinho na área de zoio no movimento. Comigo, tem que respeita minha veia.

A mãe dos outros? Pobrema deles... eu cuido do que é meu. E ela fica toda alegrinha, achando que o filho dela trabalha e ainda se preocupa com ela... Ela fala lá pros caras... o quanto o Dezinho dela é gente boa, esse sou eu.

Pobre véia... acredita em tudo que conto! E quando dou as coisas pra ela ou faço compras de coisas boas pra ela comê... até lagrimas ela deixa cai e olha pro céu... c’aquela cara que só mãe da gente faz e agradece o homem lá em cima. Coitada.

Moro numa cidade de muita praia, e turista bobo e folgado, se achando o tal... que desce aqui, e acha que tudo está aqui pra ele se refestela. O bobo paga tudo mais caro, nada numa agua poluída, se arrasta numa areia suja, come sei lá o que e de onde, enche o caco de breja e quando num entra na agua e se afoga , cai direitinho na nossa mão.

Eu moro lá no morro, aonde seu prefeito nunca vai. Ele não é louco.

Mais nois lá, temos quase tudo... O chefão do pedaço da pra gente. Só que temo que sabê onde vamo por a mão.

Teve neguinho lá que mexeu com quem não devia... apareceu no Corguinho ... ninguém sabe, ninguém viu.

Mas nem sempre tudo dá certo. Às vezes me meto em cada Nóia.

Outro dia, tava na moita, quetinho, dia chuvoso, fumando meu baseado... pensando que hoje não ia te nada não pra véia... quando vejo uma moça descê do busão, toda nos trinques...pensei, é essa que vou mordê.

Mano, acho que dei com a mina do capeta. Não, ela era muito bonita, tava bem nos traje, brinco que brilhava... então cheguei junto . Empurrei a mina pra parede e fui pedindo :- daqui tua bolsa, vamo sem um pio. Ela disse: mas eu não tenho nada de importante na bolsa.

-Num quero sabe, passa pra cá.

Apesar de eu ir pra cima dela, a bandida, da safada se encolhia e apertava a bolsa...dizendo:

-Não tenho nada , já disse , o dinheiro era só o da condução. E continuava a andar até que parou num portão grande e de ferro, fechado. Encostou de costas no portão, forçou, enfiou o braço pa dentro e quando percebi que pegava alguma coisa, levantei o braço de punho fechado... Porra meu, ia dar um muqueta na cara daquela vaca... mas a disgramada foi mais rápida e veio com uma corrente pesada direto pra minha cara.

-Meu!! Dezinho aqui sentiu o melado corre na cara e quanto mais tentava me cobri, mais a mina de satã me acertava. Aí, pensei: me fudi. Cai de bunda no chão e fui um prato cheio pra sangue suga . Até que ouvi lá longe um apito e apaguei.

Acordei num PS, sendo costurado na boca, acima do olho e o dedinho da mão quebrado. O pior foi o meganha do meu lado... lá vou eu pro xilindró.Porra!

Mas acabei dando sorte. O cara que ia me leva pra grade já me conhecia. Resolveu me soltá, dizê que me mandei... mas me fez promete que não ia a forra com aquela zinha perversa.

Duro foi chega na véia. Quando me viu chorou com desespero. Contei que foram assalta duas veinhas e fui pra defende e foi assim que me danei.

Ela disse ter orgulho de mim. E foi conta pros vizinho tudo, que tinha um filho herói.

Hoje dou risada, mas aquela uma, foi foda.

Tái... você perguntou ...queria sabe da minha vida?? É isso aí.

Remorso eu? Nunca.

- Agora, você sente algum remorso, quando ve uma família sem onde te pra se jogar? Quando uma mãe chora pelo filho, que morreu, na fila de espera, sem atendimento? Não me vem falar do que é certo ou do errado. Porra!

Eu te assalto pra sobreviver... sou caçado... E me enquadram embaixo de porrada, e aquele que você coloca pra te defende? É aplaudido, sai nos jornal, todos ouve suas desculpas, más o dinheiro que roubou ninguém sabe ninguém viu. Porra!

Eu minto? Mas só pra minha véia e pro Chefia, que não sou bobo... mas e eles roubando e mentindo pra esse mundão de gente. Será o pecado do mesmo tamanho?.

Só porque falo mal, não tenho trampo e moro em favela, não sou dotor...

Sei que tem gente que saiu da favela e se formou... mas muitos ;poucos conseguiu .

Agora lá em cima, todos muito adquiriu e enricou... a tua , a minhas custas.

A sociedade é anônima e omissa. Minha cara é a exposição da sociedade.

Eu sou a cara da sociedade. Porra!!!

KOKRANNE
Enviado por KOKRANNE em 14/05/2010
Código do texto: T2256595
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