V O C A Ç Ã O

VOCAÇÃO

Era um dia de sol-verão; eu viajando. Deslizava sobre os paralelos trilhos do destino, em busca dos seus horizontes. O ponto de encontro desses trilhos, propus-me, seria o sacerdócio.

Minha mãe entregou-me as rédeas do meu destino. Tomei-o em mãos firmes e resolutas, para conduzi-lo sereno e seguro nessa senda vocacional. Mas havia brumas densas no horizonte – eu não distinguia seus contornos; não o sentia dentro de mim; não ouvia seus apelos e conselhos; não ouvia o silvo dos ventos no alto daquele horizonte. Eu era um menino bronco; nascido do aroma das flores do campo; do pipilar das aves dos bosques; do olhar assustado dos animais silvestres; do cacheado abundante das cachoeiras; das asas pujantes dos milharais.

Eu crescia, e forros íntimos tomaram forma. Mas continuei animando os cães do trenó da vida. E nesta senda feita de anseios brotados do âmago do meu ser, obriguei o destino a dar-me o presente; a desvendar-me o futuro; a conduzir-me ao altar. Nem sempre, porém, esse destino anui ao que o homem se determina, seja de motu proprio ou por influências... ou, ainda, porque a razão destoa do universo visto.

Passados os anos, consegui chegar ao altar; não com o paramento e a unção de Deus para o sacerdócio; não com a sublime missão do pastor de almas. Cheguei perante aquele altar ao lado da mais linda donzela – a minha alma gêmea. E, diante dele, recebemos juntos as divinas bênçãos da nossa união.

Eram mesmo paralelos os trilhos condutores do meu destino quanto à vocação da aurora da minha vida – nunca se encontraram. O trenó da vida deslizou o seu curso normal e me fez poeta, esposo e pai

Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 14/05/2010
Código do texto: T2256079
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