PARTINDO...
Estou partindo, para uma viagem que não tem volta... De repente uma dor funda no peito e eis que me encontro aqui num leito, que não é meu.
Sei que é o fim dessa pra mim...um homem sabe quando chega o momento da despedida.
Sei, aceito, mas é dorida, porque deixo aqui alguém a sofrer por mim, a chorar.
Mas porque me preocupo agora com ela, pois, a faço chorar a muito... minha vida vem passando diante dos meus olhos... Acho que é o que acontece, a todos, no fim.
Estava casado, com filhos, uma vida que até o momento em que a vi, era normal.
Mas a partir daí, percebi como minha existência era sem graça e sem cor. Sem carinho... coisa que nunca conheci... Abraços nunca foram meu forte, nem de ser abraçado.
Então, eu a conheci... Ela entrou em minha vida como um sol. Bagunçou todo meu conceito de vivencia, de amor, abriu a janela de minha alma, e com seus raios quentes sacudiu a poeira e o marasmo em que eu vivia, retirou o mofo e reorganizou tudo com o calor do amor vivo, latente, urgente.
Mesmo agora, pensando nela, sinto uma onda de calor a percorrer pelas entranhas, ondas essas que nunca mais me abandonaram. Estou aqui morrendo e sinto me excitado com desejos de tê-la mais uma vez, possui-la como tantas vezes o fiz ,sentindo-me depois um rei em seus braços.
Lutei muito com sentimentos contraditórios, pois, nunca pensei em separação. Mas meu amor por ela venceu... Passei então a viver uma vida dupla; ela por amor concordou.
Amei tanto, tanto essa mulher... Ficava louco só em pensar, que ela cansada da situação, me abandonasse... Mas fui eu que a magoou.
Após alguns anos fiquei viúvo. Apesar da tristeza... Senti um alívio, pois, agora estava livre para viver meu único e grande amor.
Por um tempo fomos tão felizes... Ela me cobria de carinho, novidades em nossa relação, nunca caíam na rotina... O amor era uma constante. Nunca em toda a minha vida senti tanta felicidade.
Até que um chamado dos filhos, pedindo que eu voltasse para o convívio deles... Fez com que a responsabilidade de pai agisse contra mim e meu amor e atendi esse chamado... E que lamento até agora. Ela muito chorou me pedia para ver bem o que estava fazendo, pois, eu estava voltando para filhos adultos e não crianças. Por fim, ela se despediu dizendo:
- Espero que seus filhos sejam muito felizes e façam você feliz, pois, a felicidade deles vai custar muitas lágrimas e a minha vida...
Ela saiu da cidade, pois, não resistia... Sempre nos cruzávamos.
Ela tinha razão; passado os primeiros momentos de emoção entre eu e os filhos, quando o dia a dia tornou se comum, passei a ser inquirido, maltratado, esquecido e tratado como um móvel da casa, ou uma caixa eletrônica para a retirada de dinheiro.
Minhas noites então se resumiram em pensar nela, em lembranças... E a sofrer.
Pensava; de amanhã, não passa. Vou procura-la e se me aceitar, voltarei de joelhos a implorar seu perdão e cobri-la de beijos... Mas e a coragem? Então suava de medo da rejeição e assim os dias, meses, foram passando.
Chegou natal, e não aguentando mais a saudades e o sofrimento fui atrás dela.
Ao me ver, me deu as mãos, olhos fixos, lágrimas correndo... Eu a tomei nos braços e a carreguei para seu quarto e nos amamos com loucura, com doçura. Nossos corpos grudados se recusavam a separar... vimos o sol nascer e morrer...assistimos as estrelas dançando alegremente pela nossa união...ah! E a lua então, cheia parecia orgulhosa demais de presenciar aquela demonstração de amor sem pudor.
Tenho a impressão de ter visto Papai Noel, saindo às espreitas, de uma das janelas.
E assim esquecemo-nos da vida, do mundo. Aliás, o mundo éramos nós. Somente.
Mas a realidade nos chamou... Fizemos planos. Eu viria morar ali com ela, longe de todos.
Parti então como o homem mais feliz deste mundo, para avisar aos filhos, e tomar algumas providencias... Eles receberam a noticia com indiferença e pouco caso. Pensei:- Ótimo, melhor assim.
Mas meu corpo foi traiçoeiro... Não aguentou tanta felicidade... E na ultima noite longe da razão do meu viver, este velho coração resolveu puxar meu tapete.
E me trouxe para uma UTI. E nem sei se a avisaram. Então, com pavor, pensei:- E se ela, sem noticias achar que desisti? . Essa minha agitação, mexeu com os aparelhos, fazendo com que as atenções se voltassem pra mim.
Abri os olhos e cheios de desespero, elevei meu pensamento a Deus e implorei como último pedido poder vê-la, ouvi-la e então aceitarei o que me for imposto com tranquilidade.
Estou aqui, a espera do final... Não sei há quanto tempo, pois, somente adormeço e acordo sem muita noção... Mas sempre chamando por ela. E ás vezes a sinto ao meu lado, acariciando-me, seus dedos em meus cabelos, sinto sua voz sussurrar em meus ouvidos palavras de amor e desejo... Senhor será que já estou caminhando para o fim?
De repente, acordo e sinto que minha lucidez e meu corpo de nada parecem doentes, então como que saindo de um sonho, sinto um calor em minha mão, aperto, e sinto retorno e calor... Calor conhecido... Abro meus olhos, e ela está ali do meu lado com seus lindos olhos como a me dar força e luz... As lágrimas escorrem, as mãos se apertam os lábios se encontram num beijo quente, amoroso, delicado e de uma despedida dorida.
E assim esquecemo-nos do tempo, do mundo. Somente eu e ela. Escuto sua voz delicada:- Vá, amor, tranquilo, em breve nos veremos. Não sofra. Nosso amor é eterno.
Novamente sinto o calor dos seus lábios e digo: Até breve, amor.
Com os olhos fechados, elevo meu pensamento a Deus e agradecendo , digo:
Estou pronto!
E uma luz intensa e linda se fez presente, iluminando nós dois.