Colcha de tolices (BVIW)
Quinze anos depois da suntuosa festa, com tudo a que supunham tinham direito, era chegada a hora da partilha.
Nos últimos quatro anos o casamento havia entrado em estado terminal, cada vez mais grave, com repetidas e frequentes crises comatosas.
Casaram-se muito jovens, imaturos e levianos. Não mudaram quase nada ao longo dos anos; nem mesmo com a vinda dos filhos amadureceram. Aos trinta e cinco anos, eram os mesmos mimados, egoístas e superficiais dos vinte, quando se casaram.
Investiram muito dinheiro na cerimônia de conto de fadas. Pensaram que o fato de virem de famílias abastadas e os bem-casados distribuídos na festa lhes garantiriam um belo casamento. Tolos!
Ninguém lhes disse que o propósito maior do casamento não é o bem-estar. Que as tensões desagradáveis existem e a felicidade é muito diferente da apresentada nos anúncios de margarina. Ninguém lhes disse que o casamento é um dos caminhos para a individuação, e que isto não quer dizer individualismo. Ninguém lhes disse que o casamento deve ser uma relação entre dois adultos que decidem, juntos, compartilhar o prazer e as dificuldades da vida.
Então, ao se casarem, buscaram gratificações que deveriam ter sido supridas nas fases iniciais do desenvolvimento. Presos a necessidades não atendidas, reivindicaram um ao outro aquilo que deveriam, nessa etapa da vida, buscar neles mesmos.
Chegada a hora da partilha, o que eles têm é uma colcha de tolices remendadas, tecida por ambos com tênues fios de ilusão, rasgada no confronto com a realidade e
remendada com frágeis retalhos das intenções superficiais de mudança.
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Individuação é um termo usado na psicologia junguiana para caracterizar o processo pelo qual uma pessoa torna-se o que ela é.
O casamento é um lugar de individuação, onde uma pessoa entra em confronto consigo mesma e com um parceiro, e desta forma aprende a conhecer a si próprio e a desenvolver seus potenciais.