Maria

(do livro “... aos 40!” – editado em 2007 - de Maria da Graça Zanini, Sílvia Bier, Sônia Bier e Rosalva Rocha)

Chega um dia em que os armários da nossa casa estão entulhados e é preciso organizá-los. Nada bom para Maria que, além de não gostar muito de afazeres domésticos, decidiu, naquela sexta-feira à noite, começar a arrumação pelo escritório ... E lá tinha papéis, pastas, trabalhos, materiais de cursos, livros – tudo “indispensável” para ela. Se fosse uma arrumação no guarda-roupas seria diferente. Mas os livros? Os papéis? Os diários de alguns anteriores? Seria sofrível. Mas pensou: “Avante! A tecnologia está aí para me auxiliar, e vários desses papéis e trabalhos posso jogar no lixo. Além do mais, papéis muito antigos transformam-se em desejo para traças.”

Mas e os livros? Ah não! Os livros ficariam lá, nem que ela tivesse que se desfazer de mais algumas coisas que considerava importantes.

Aos poucos foi percebendo que a maioria dos papéis e trabalhos já estava obsoleta. Separou-os e começou a abrir espaço para novas coisas da sua vida ... Até que chegou em duas prateleiras que continham os seus álbuns de fotos.

Sempre registrou tudo e, mesmo com o advento da máquina digital, o papel em si, para ela, era o mais importante.

Em meio à poeira que o trabalho já tinha dado, parou e começou a folhar os álbuns.

- Meu Deus, quanta gente, quantas carinhas maravilhosas! Quanta vida já se passou! Quanta saudade ...

Folheou mais alguns, mais recentes, e percebeu que muitas outras coisas também aconteceram depois. Em todas as situações, amigos, alguns presentes, outros ausentes, uns comuns, outros ecléticos ... Todos, todos de muita importância.

Esqueceu do tempo e, sem perceber, começou a rememorar algumas situações: ela com a Patrícia na praia, nos tempos em que sair de casa era uma conquista de longos dias. Ana Luiza ao seu lado no baile de debutantes, tão bonita, tão morena ... Pena que não esteja mais aquí. Boas lembranças dela, uma amiga leoa, daquelas que a defendia em todas as situações. Em outra foto, Maria Isaura, como sempre, bonita e fotogênica, na despedida de solteira do primeiro casamento de Maria. Ah ... quantas viagens com pouco dinheiro e muito riso ... Em outra, Maria gargalhava em cima de uma cama com André, seu amigo presente até hoje, com a naturalidade típica da adolescência naquela época. Vânia, ah a Vânia, tão temperamental, mas tão generosa ... Estava distante, mas próxima virtualmente. Dela Maria ganhou um fichário para anotação de contas, que usava há muitos anos. E os cabelos arrepiados pelo suor tanto dela quanto do Beto num baile do interior? Eles pareciam felizes, muito felizes ... E a foto de 15 anos da Rosana, sua afilhada, filha da sua melhor amiga, amiga-irmã – mundos diferentes, cabeças diferentes, mas entendimento puro? Nossa, aquela foto ficou especial – foi tirada no casamento da Mirna com o Rogério, e aparece o Thales dando um beijo em Maria, com o seu bigodão! Ele sempre adorou aquele bigode. Eram irmãos.

Mais fotos, muitas fotos ... Umas extravagantes, outras comportadas. A grande maioria com amigos, pessoas que faziam parte da sua vida, pessoas que ela conhecia muito bem. Maria então pensou que era uma mulher privilegiada, pois sempre se cercou de bons amigos. Com a sua idade, aquilo que não fosse bom não era considerado, e aqueles álbuns provavam que muitos anos já foram vividos de forma intensa. A simbiose entre ela e os seus amigos era perfeita. Tudo era muito transparente.

De repente, Maria olhou para o computador e viu uma mensagem não aberta. Era de Sandra, uma amiga de infância, da qual não tinha encontrado foto alguma. A mensagem dizia: “estávamos eu e a Cidinha conversando e resolvemos te convidar para lançarmos um grande projeto. Topas? Falamos depois ...”

O círculo do pensamento de Maria se fechou.

Realmente tudo, mas tudo em termos de amizade tinha valido a pena até ali.

Deixou para trás os papéis para colocar no lixo e, sob o sofá, os álbuns abertos. Não se achou com coragem de fechá-los naquele momento. Decidiu deitar-se. Afinal, já era mais de três horas da manhã.

Rosalva
Enviado por Rosalva em 11/05/2010
Reeditado em 14/06/2010
Código do texto: T2251587