Peixe fresco, nem na praia

Porque esta vida

É sempre um desfilar safado de idéias

E neste jogo, eu não escondo o jogo

Tem sempre alguém

Vendendo o mesmo peixe

Dizendo que é fresco

Será que alguém já desconfiou

Como eu desconfio

Que sempre se repete, se repete, se repete

Mas pouca gente cria? (Ednardo)

Amigo meu me tem na conta de bom escritor, poeta, memorialista e cronista. Não concordo. Sou um escritor que ainda não existe. É trágico e engraçado, mas verdadeiro. Ando me construindo como escritor há uns 40 anos, quando comecei a editar jornais e escrever uns poemas tão ruins que não passam de crimes infanto-juvenis premeditados. Copiando o poeta Naldo Velho: “Crime premeditado/de quem assumiu a condição de poeta/e que sendo por natureza um tolo/fez da palavra um consolo/pois a sentença final é: culpado!”

Sobrevivo de imitar os textos dos outros, dos caras realmente bons, que sabem criar conteúdos mais ou menos originais. Desconfio, como o grande compositor cearense Ednardo, que todas as obras de arte são geminadas. Alguém que copiou de alguém, que copiou de alguém...

Tentei ser um poeta moderno, ultrarromântico e depois ultracínico. Mergulhei na poesia de protesto, escrevi um poema chamado “Pátria armada” que rendeu um livrinho magro e desidratado. Acabo de afundar nas rimas do cordel, com muito gosto. Ensinaram-me que não devia me meter em poesia popular, que é seara alheia. Trata-se de uma espécie de aviltamento da arte dos poetas repentistas ou de gabinete, como costumam designar o trovador que escreve os chamados folhetos de feira. Eles, os menestréis de rua, violeiros e versejadores do povo, que me desculpem, mas passei a gostar de construir sextilhas. Dou-me o prazer de fazer meus versinhos de pé quebrado, conforme aconselha Mário Quintana: “Todos deveriam fazer versos, ainda que saiam maus. É preferível para a alma humana fazer maus versos a não fazer nenhum. Qualquer poema é uma aventura, boa ou má”.

Uma ideia que povoou meu imaginário de infância: só considerava escritor o cara que editava livros de capa dura. Conforme fui crescendo e vendo como se joga o jogo do rato, passei a ter a certeza de que o verdadeiro escritor é aquele que não paga para imprimir seus livros e ainda ganha dinheiro. Nunca mercadejei com minhas obras recalcitrantes, mas tenho o orgulho besta de afirmar que também jamais tirei dinheiro do bolso para editar meus cinco livros que aos trancos e barrancos vieram à luz. Mesmo porque, nem sou mágico para tirar capital excedente dos meus mal providos bolsos. Para ser mais exato, é no tesouro do Estado onde busco recursos para as publicações. O Governo financia meus livros, que são distribuídos quase de graça.

Creio que o Governo criou projetos de inclusão social dos escritores medíocres, e é nesses que me encaixo. Agora mesmo a União Editora lança um livro meu, o “Biu Pacatuba – Um herói do nosso tempo”, o que já é motivo de sobra para algum excesso de amor-próprio, algo creditável de valor e honra. O livrinho deve ter passado por algum crivo. Alguém apreciou e aprovou sua publicação. Algum mérito deve ter a obra que fala de lutas do povo e heróis anônimos.

O projeto gráfico é assinado pelo meu filho Helder Mozart. Elegi a poesia de cordel para falar de um homem notabilizado pela coragem e determinação na luta contra os senhores da terra. A saga de Biu Pacatuba, sua família e seus companheiros martirizados pelo latifúndio estará brevemente na caixa postal dos meus amigos e raros leitores, a custo zero. Enfrentei com destemor a construção de mais de 500 sextilhas para contar essa história, com paciência e, o mais importante, sem repugnância por estar copiando o estilo ou enredo de terceiros. Enfim, sou original entre os simples!

www.fabiomozart.blogsapot.com

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 11/05/2010
Código do texto: T2249969