Ao fim.

Eu leio livros, sempre li. Na verdade, não sou original, inspiro-me neles, assim como qualquer um. Além de tudo, a escrita, em certa época transformou-se numa perigosa irrealidade.

Sempre fui fã de romances porque a minha realidade não era nada legal. Cada vez que lia Cinderela ou Rapunzel sentia-me dentro do conto, protagonista que era aos cinco anos. Um pouco mais velha, com o olhar crítico infantil de uma criança precoce, percebi como eram fracas as donzelas. E decidi transferir toda a força de vontade dos príncipes encantados para a minha vida.

Com 12 anos, juntei aos clássicos infantis o cinismo e ironia presente nos seriados americanos e ingleses e assim percebi estar alarmantemente sozinha. Isolei-me na escrita. Quanto mais passava o tempo, maior era o meu incômodo. Nunca soube fazer finais felizes e me divertia estragando a premiação do herói com a morte da mocinha, por exemplo.

Aos 18, senti tremenda vontade de fazer um conto de fadas. Noites sem dormir, litros de café e... nada. Desisti e voltei frustrada aos singelos poemas, mal-escritos, capazes de agradar a qualquer um.

Anos mais tarde tentei novamente, mas tudo a minha volta fazia incrível questão de me desacreditar. Crises, mortes, guerras, mortes, doenças, mortes, mortes e mortes. Senti-me Drummond, com apenas duas mãos e o sentimento do mundo. Prometi que voltaria, mais tarde, a isso.

Depois, casada e grávida do primeiro filho, me inspirei, mas tornei a fugir. Ora, quem leria um conto de fada de uma mulher que nem havia dado a luz? Seria tão inexperiente, desculpei-me com a minha sombra.

A partir dos 30-e-tantos fazia uma tentativa por ano, aproximadamente e nada. Agora, na surrealidade do pós-vida, talvez até conseguisse se quisesse, mas.. feliz (para uns) ou infelizmente (para outros) estou morta e mortos assombram, não escrevem!