FIDUMAÉGUA DE MERDA!
 
Conta-nos C.H.Cony, numa de suas recentes crônicas na Folha, que certo General de Napoleão lutava na batalha de  Waterloo.  Pressentindo a iminente derrota teria gritado: “Merde”!
Bastou para toda nobreza e oficialidade européia se escandalizarem. “Tal ousadia não pode caber na boca de um General”! Consistia o desabafo do militar, um escândalo sem precedentes para um homem de sua posição e finesse dizer aquela barbaridade indigna de seus pares.
Hoje, mal passaram dois séculos, a palavrinha deixou de ser vitupério para tornar-se desabafo natural. Aliás, hoje, não só a palavra em questão --- também sua materialidade,--- são  encontradas nas bocas de muita gente que se diz de boa cepa.
Não só o tempo desmoraliza os xingamentos. A maneira de xingar também.
Lourival é maranhense; Aloísio, tocantinense. Ambos, meus vizinhos e amigos. Ambos, fazem questão da expressão “fidumaégua”, fórmula embolada que deveria traduzir ofensa; no entanto, da maneira evocada, passa naturalmente sem ofender.
“E aí, seu fidumaégua, como vai?” “Fidumaégua, porque fez isso?”
A maneira de dizer suaviza o dito; leva mais ao riso que à ofensa.
Já no vernáculo escorreito, na linguagem culta, o xingamento carrega toda a pompa da arrogância;  traz junto a humilhação.
“Filho de uma égua!” Soa doloroso. É meter a mãe do outro na promiscuidade dos irracionais, elegantemente! É devastador, é humilhante. O xingamento, nesse caso, parece vir de dentro, melado em óleo de rícino e pejorativa convicção!
Sem dúvida, o xingamento culto é mais enfático e perturbador.
Quando menino, ouvia-se dizer: “fédaputa”, “fiodaputa” e “fidaputa”; este último, vindo dos menorzinhos. Raramente alguém saía com o pé do ouvido quente porque aquilo soava despretensioso.
Além do tempo que ameniza e da forma despretensiosa de xingar, a réplica criativa também é um antídoto eficaz contra a maledicência do xingador.
Certa vez apareceu pelo bairro, um garoto. Bem trajado, botinha nos pés, topete bem penteado; novidade para nós. Olhava-nos por cima. Foi ele, com o passar dos dias, o autor da façanha.  Revidando ofensa recebida, xingou o que o outro não precisava ouvir: “filho de uma puta!” Replicaram-no: “fédaputa ribibiu, comi sua mãe seu pai não viu, contei pra ele, ainda riu!” Pronto. Desmoralizaram-no.
Não se ouviu mais o vernáculo escorreito. Como diz o bordão de um certo quadro de humor, “vamos no popular” viu, "fidaputa". 
 


PS – Aos amigos(as) que tem a paciência de ler minhas linhas, comunico que estarei uns dias fora. Com a vontade de Deus estarei de volta no final do mês. Com um abraço do Moura Vieira.