Hiato memorialístico
Em fevereiro de 1992, o jornal “A Folha” publicou crônica de minha autoria, onde exaltava este jornal, mais antigo em circulação no interior da Paraíba. Foi por ocasião dos festejos dos 65 anos do nosso jornal oficial. Eu dizia que num país que conta 40 milhões de analfabetos, a simples existência de um jornal do interior só é possível pela dedicação de uns poucos e pelos raros clarões de lucidez dos homens públicos. Na crônica, os votos para que “A Folha” se robusteça e vá em frente impávido. Aproveitando a efeméride, nós leitores temos que fazer carga positiva para o pessoal lá de cima, prefeito, secretário e demais responsáveis, para não deixar a peteca cair.
Com o tema “a verdade acima de tudo” escrito em latim no cabeçalho, “A Folha” participou de todos os grandes acontecimentos de nossa história. Teve seus dias de glória quando circulava semanalmente. Itabaiana nunca foi tão cultural, tão ciente dos seus valores como naqueles dias de apogeu do nosso jornal oficial. É preciso repetir até a náusea que temos 40 milhões de analfabetos e mais outros tantos vivendo em estado de pura pobreza. Naquela época de ouro havia um futuro. Hoje, diante do descalabro desses tempos sombrios de ignorância e menosprezo aos nossos valores culturais, dá aquela vontade de se agarrar ao passado, quando Itabaiana era comparada à própria capital em cultura e progresso econômico.
Continuando a crônica: “Estou escrevendo para você, leitor do ano 2.050. Aqui, em 1992, ainda sobrevive um jornal da imprensa matuta. Você certamente deve estar rindo de nossa fragilidade tecnológica, mas quero dar testemunho de que, numa pequena cidade do interior da Paraíba, o jornal “A Folha” articula um novo número após 65 anos de existência, sempre resistindo e mantendo a tradição de revelar novos valores como esse André Ricardo Aguiar, que está escrevendo como gente grande”.
Eu falava do poeta itabaianense André Ricardo Aguiar, filho do redator do jornal, Geraldo Aguiar. Trata-se de um talento em potencial. Seu microconto “Vida de circo”, publicada no nº 21 d’A Folha, é uma preciosidade. A literatura é o espelho de nossa sociedade e de nosso tempo. Se ainda existe um Ricardo Aguiar amadurecendo sua vocação neste jornal, a luta tem que continuar sendo travada porque vale a pena. A recompensa maior será a de celebrar o talento. Mesmo que “o circo dos nossos sonhos continue nos nossos sonhos, porque o circo está em crise e só falta pegar fogo”, como bem diz o Ricardo no seu conto antológico.
Hoje, dezoito anos depois de publicada esta crônica, um dos maiores patrimônios culturais de Itabaiana já não circula. “A Folha” espera passar a mediocridade desses tempos inexpressivos culturalmente para voltar a vingar, como uma plantinha resistente e renitente que já tem 83 anos de vida. Seria um hiato memorialístico a sua desativação, como bem escreveu o redator neste mesmo número de fevereiro de 1992.
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