Nota de rodapé em uma carta qualquer
Um personagem de um conto do Maupassant sentenciou que, ao travar contato com um bolo de cartas antigas, a ação mais correta é pegá-lo, tomando cuidado para não ler nada, nem uma palavra, e tocar fogo em tudo. Não se deve menosprezar nem mesmo uma letrinha qualquer, pois tudo é potencialmente perigoso. Faces antigas podem ser revividas.
Como bem sabiam os ancestrais, o que está escrito, quando relido, tem poder. Mas, ao contrário do que alguns ingênuos tratados sobre ocultismo sugerem, não é preciso todo um ritual de invocação para conjurar certos tipos de espectros. Basta que o olho note aquela pequena caligrafia perdida no meio da gaveta e a reminiscência se torna mais forte; cria um rosto para si – uma face conhecida, convidativa – e nos toca. O diálogo entre passado e presente é desprovido de rodeios e logo ataca no ponto fraco: em poucos minutos, sabemos do que sentimos falta e, pior ainda, do que nunca teremos de volta. Os nomes, as passagens, os parágrafos, tudo faz parte de uma realidade que se transformou e foi habitar os espaços outrora brancos da carta.