Uma estória de mãe

Amanhã, famílias de toda a parte estarão reunidas para celebrarem o dia das mães. Como é reconfortante ter um colo para um refresco às dificuldades dos nossos dias atribulados, alguém que é sua fã número um e não lhe cobra nada por isso, que lhe dá conselhos desprovidos de outras intenções, que o ama acima de todas as coisas e que não hesitaria em lhe dar a própria vida para conservar a sua.

Há trinta e sete anos (como o tempo passa e os fios brancos não perdoam), uma jovem senhora com seus trinta e oito aninhos que já possuía em seu rebanho cinco filhos (a famosa escadinha), foi, digamos, “premiada” pelo bom Deus e recebera a encomenda da intrépida cegonha: o rapa de tacho, caçula ou sei lá qual palavra usam hoje em dia, estaria chegando em breve.

Hoje, temos uma medicina versátil, arrojada e extremamente dominante sobre vários aspectos genéticos e orgânicos que conferem opções tardias de escolha para a mulher moderna se tornar quando, por planejamento (ou descuido), tiveram que se dedicar à carreira, cursos e outros afazeres e tiveram que atrasar o sonho da maternidade. E, não se assustem, é cada vez mais comum vermos nos parques e playgrownds, mamães de primeira viagem com os seus 40, 45, 50 ou mesmo 60 anos (prefiro nem citar exemplos mais exagerados de outros países para não “incentivar” uma corrida em direção ao sonho materno das nossas vovós).

Natural este quadro porque a mulher saiu para trabalhar, ajudou a compor a renda da família, “dá conta do recado” na intimidade e tem o pleno direito de dar uma esticadinha no fator tempo. E como tem esse direito.

Voltando à mãe quase quarentona da estória, ela por si só já era uma guerreira de provocar inveja pela sua decisão e capacidade de vencer barreiras. Ela se casou no Piauí, veio para Belo Horizonte na base da força de vontade e não se intimidou em proferir o seu rico vocabulário nordestino para os moradores “sul-maravilha”. Ainda temos muito preconceito com os retirantes do nordeste. Apenas os aceitamos.

A questão toda é que, lá pelo oitavo mês – como o papai do céu gosta de testar a perseverança dos outros – o médico se dirigiu a ela e ao seu marido em tom cerimonioso e contrito, pediu que tivessem força naquele momento e que tomassem a melhor decisão naquele “caso”. Caso? Espera aí: era sobre uma gestação que o homem de branco estava falando. Caso é coisa fria, um bloco de papéis, um fichário sem cara e emoção. Sem muitos floreios ou palavras rebuscadas, o doutor foi direto (papo reto, como diria a turma da jovem guarda) e disse ao casal que eles deveriam escolher entre salvar a vida da criança ou da mãe da criança. Fácil, não é? Ou você toma um suco de laranja ou uma limonada suíça. Ou vai ao estádio ou torce pelo seu time em casa. Ou usa camisa listrada ou fica sem camisa. Ou vive um, ou vive o outro.

Aquela senhora, que era devota fervorosa de São Judas Tadeu, devolveu ao médico, com a mesma altivez, a única resposta possível para ela: que sobreviva o bebê. Na sala fria da consulta, olhares paternos, maternos e médicos se cruzaram, as gargantas ficaram secas e o chão, que deveria se abrir naquele momento para dar fim àquela situação, teimou em ficar na dele, imóvel como ele só. Afinal, era só o chão e nada tinha a ver com aquela encrenca toda.

E assim, a gravidez foi conduzida com todos os cuidados – ora misturados aos chutes certeiros do futuro bebê, ora maculados pela iminência de um ponto final àquela alegria, quem sabe, derradeira - e a sala de parto já era uma realidade.

Equipe plantonista preparada, mãe à espera e, mãos à obra. Bisturi, anestesia, gaze, batimentos cardíacos controlados e um santinho em cima da mesinha de instrumentação. Acho que, naquela altura, o médico também já não era o mesmo de antes.

Minutos intermináveis, mãos ágeis dos profissionais, vida querendo aparecer. A criança nascera. Sorriso materno, fé inflexível, conjugação perfeita. Sinestesia de querer, de bem querer, de querer mais do que qualquer coisa, de sentir, de querer sentir.

A mãe resistira bravamente. O roteiro daquele filme fora modificado. O sobrenome do garoto, como a promessa exigia, era Tadeu. O pequeno nem bem nascera e já era agraciado por um padrinho importante.

Hoje, nos meus trinta e sete anos de vida, só tenho a agradecer à minha saudosa mãe que faleceu em 2008 na madrugada da comemoração do centenário do Atlético Mineiro, e me ensinou que ser escolhido para receber um amor deste tamanho é uma prova permanente de que os milagres estão presentes naquele beijo na testa, no abraço apertado, no “vai com Deus”, no “como você foi na prova?”, no “não fica assim que você vai conseguir”, enfim, em coisas pequeninas que, neste domingo, estarão à mão de milhares e milhares de filhos e que só deverão ter o trabalho de dizerem: mãe, eu também te amo muito!

YOUNG
Enviado por YOUNG em 08/05/2010
Código do texto: T2244813
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