Mutirão cultural entre amigas - duas exposições e um espetáculo
Ontem, um pequeno grupo de amigas de longa data resolveu se reunir pra fazer um belo programa cultural em regime de mutirão: fomos a duas exposições no CCBB e, em seguida, à apresentação de uma dupla de amigos, com o espetáculo "Contos de Goiás nos Cantos de Brasília".
A primeira exposição foi “Os Gêmeos – Vertigem”, dos irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo de São Paulo, ex-grafiteiros cujo talento despertou a atenção de autoridades no campo das artes plásticas. Seus trabalhos têm tamanha qualidade que já expuseram suas obras em vários países. Foram além da pichação de muros e criaram esculturas, instalações e objetos sonoros que, apesar da aparência rústica, uma vez que utilizam objetos encontrados no lixo, são executados com um precioso detalhismo, combinando formas, volumes, cores, texturas, luzes e sons de um modo fortemente onírico e lindamente bem resolvido em termos de estética.
Estética esta que, aliás, lembra bastante a do Cirque de Soleil. Não à toa, parecem ter tido como fonte básica de inspiração as velhas ilustrações dos livros infantis europeus, com aquelas figuras caricatas, de olhos muito separados, largos narizes que parecem colados no centro da face e as bocas como grandes rasgos circundados por um fino volume labial da cor da pele amarelada, às vezes marrom, que caracterizam todas as suas figuras. As roupas são em tudo semelhantes aos figurinos do citado Cirque de Soleil, abusando magistral e lindamente de estampas, cores e formas que, no conjunto, tomam um efeito de espetáculo circense ou dos antigos teatros mambembes.
Recomendo especialmente a instalação composta por duas grandes caixas de madeira sobrepostas, a de cima em ângulo ligeiramente diferente da outra, em que há uma abertura através da qual se entra agachado e, uma vez lá dentro e novamente em postura ereta, a pessoa encontra-se no centro de um jogo de espelhos e luzes e suaves sons, que refletem ao infinito e em ângulos variados a cabeça do espectador. Ao se movimentar cabeça e braços levantados enquanto gira-se o corpo, o efeito produzido é caleidoscópico e hipnotizador.
Todas as instalações e esculturas são absolutamente maravilhosas. E tudo isso é sintetizado no imenso painel da parede ao fundo, na qual, sobre um estonteante padrão geométrico hiperbólico, figuras e pequenos objetos parecem sair e entrar pela parede, em situações diversas e deliciosamente surreais. O rigor técnico das pinturas finamente grafitadas é algo notável.
Eles sempre assinam obras e exposições como Os Gêmeos, que são realmente.
A segunda exposição, "Brasília, síntese das artes, núcleo II", nos encantou especialmente pelo fato de apresentar obras e imagens de alguns dos nossos velhos amigos, colegas e professores, alguns já idos pro andar de cima, artistas pioneiros da cidade e seus aprendizes, oriundos do Instituto Central das Artes da UnB.
Ficamos emocionadas ao rever projetados em vídeo e fotos os espaços por onde circulamos e estudamos (no nosso caso específico, nas disciplinas optativas durante o curso de arquitetura), ao longo de uns tantos anos, mostrados em diferentes épocas, desde a sua criação nos anos 60 até pouco além dos 80. Vimos ali colegas e professores tal como os víamos então. Recuerdo total!
As obras expostas iam da profícua produção dos anos 60-70 (geração dos velhos mestres, como Athos Bulcão e Zanine, entre outros), passando pelos anos 80-90 (nossa geração, com Elder Rocha, Ralph Gere, Ana Miguel entre outros) e chegando aos tempos atuais, em que alguns ex-alunos de amigos nossos já despontam, junto com seus mestres, como importantes artistas e até como professores na UnB.
Constatamos ainda como nossos artistas amadureceram ao ponto de muitos deles, hoje, já serem expressivos no cenário artístico nacional.
Logo depois, fomos pro Café da Rua 8, onde a Ângela Barcelos e o Sérgio Duboc apresentaram o seu espetáculo de música (a maioria composições próprias do Duboc, sambas-canções como há tempos não se ouve mais e uma levada bem gingada no violão) e de contação de histórias recolhidas com os velhos contadores, muitos deles também já idos pro andar de cima, naturais de Pirenópolis, Goiás.
Pra mim, este espetáculo tem um sabor muito especial, já que participei da pesquisa feita no final dos anos 90 e, portanto, tive um contato próximo e muitíssimo afetivo com os velhos, saudosos e encantadores contadores daquela cidade. Pessoas simples, de poucos estudos, mas de uma inteligência muito viva e um talento inato pra contar e encantar. Desenvolvendo um "timing" perfeito, cativavam os ouvintes com as entonações apropriadas e variadas, as pausas exatas, as expressões faciais e corporais na medida. E o mais bacana disso tudo é que todas as histórias contadas são muito semelhantes a fábulas, trazendo ensinamentos de vida muito sutis e importantes, além de invariavelmente utilizarem o humor como veículo. Deste modo, o trabalho da Ângela e do Sérgio tem uma importante função de preservar e divulgar esta arte que andava meio esquecida e pouco valorizada.
Pra nós, eu, Dadah, Dru, Carlota e Patreca, foi um verdadeiro acontecimento este mutirão cultural, que nos emocionou e encantou tanto. Além de estarmos as velhas amigas ali reunidas, o que é sempre muito prazeroso, tivemos a oportunidade de apresentar mais um pouco do nosso universo a duas novas amigas, Marilda e Maria, que vieram de Sampa há pouco tempo pra trabalhar em Brasília. E, assim, puderam constatar que de fria e estéril nossa cidade não tem nada, ao contrário do que costumam dizer as más línguas.
Arte e cultura são dois dos melhores e mais nutritivos alimentos pro espírito. O nosso banquete foi ótimo! Ainda assim, ficamos sempre querendo mais e mais. Afinal, o espírito pode e deve engordar à vontade...