O pesadelo de Joãozinho, no País da Sapolândia 

 

Era um dia como outro qualquer, Joãozinho, agora um menino espichado, todo desajeitado, espinhas no rosto , cheio de sonhos; resolve usar todas as suas economias na  cultura. Corre até a esquina mais próxima e emprega seu suado dinheirinho na aquisição de mais um DVD pirata para sua coleção. O vendedor recebe as moedas, conta uma a uma.

_ E aí, o que vai levar? Pergunta.

_ Alice no País das Maravilhas. Responde convicto da sua escolha. Afinal era a febre do momento, quase todos seus colegas já tinham visto , claro,  na versão pirata.

Volta para casa num tiro só. Corre até a cozinha pega um pacote de bolacha recheada sabor morango, volta correndo para a sala, (versão quarto/sala) pega o controle remoto, aperta o “Play” e liga o aparelho de DVD, também pirata. Aperta a tecla “Eject” coloca sua nova aquisição , se esparrama no velho sofá e aperta o “Enter”. Pronto, a seção vai começar. Entre uma cena e outra, enfia uma bolacha recheada, sabor morango, na boca. Queria aproveitar o máximo, o que seria seu último final de semana longe da professora Matilde, acabaram as férias e um novo ano o aguardava com muitas novidades. A amável professora agora seria  sua ex, uma vez que foi promovido para o quinto ano.

Com mais ou menos meia hora de um filme de quase duas horas, Joãozinho embarca numa grande viagem. De repente se vê num imenso jardim com grandes paredões e pequenas portas, uma espécie de labirinto. Assustado procura a saída, corre entre as paredes, vai de um lado para outro e nada. Desesperado força aquelas portas pequeninas que nem se movem, quando pula na sua frente um sapo trajando um terno todo alinhado na cor azul marinho, e portando uma cartola preta na cabeça, na qual tinha as palavras: “CHUTE-ME”. Diante de tamanho desespero, o menino não teve escolha, aproximou do pobre sapo e deu-lhe um belo chute, mandando-o para o outro lado do paredão. Para seu espanto, uma enorme porta apareceu na sua frente fazendo um barulho infernal, mais parecendo o ranger de portas de casas mal assombradas em filme de sexta feira 13. Dirigiu-se até a porta e com um pé após o outro foi entrando.

_ Tem alguém aí? Oi...Quem está aí?

Nenhuma resposta foi ouvida. Joãozinho fica mais apavorado. Quando se afastou um pouco mais daquela porta enorme, nas suas costas, a mesma bateu com força como se tivesse recebido uma rajada de vento. Pula na sua frente o mesmo sapo elegante. Desta vez trouxe na cartola as palavras: ”BATA-ME”. Claro, não pensou duas vezes: aproximou e aplicou-lhe uma bela bofetada, fazendo o sapo sair voando. Enquanto olhava para cima procurando o rasto deixado pelo sapo voador, um barulho ensurdecedor soou nas suas costas. Era um imenso portão de ferro, cheio de grades e lanças afiadas. No alto, com letras graúdas, uma placa: “ESCOLA SAPOLÂNDIA” SEJAM BEM VINDOS. Uma trilha apareceu em sua frente. Ainda muito assustado, seguiu as placas que diziam: “POR AQUI”. Não fazia a menor idéia de onde estava indo. Em todo caminho ia encontrando os habitantes daquele local, todos bem alinhados, sisudos e usando cartolas vermelhas. Cada um trazia na mão direita livros, muitos livros e na mão esquerda um apagador de giz e uma bastão. Enquanto passava era observado por todos que diziam numa só voz: “não pode”, “ não deve”, “faz a lição”...

Aquela trilha parecia não ter fim. Para sua salvação, mais uma vez o sapo de cartola preta pula em sua frente. “ENTRE”, foi a primeira coisa que observou na cartola. Correu os olhos em sua volta para descobrir o que fazer. Deu de cara com um enorme corredor formado por muitos sapos trajando uniformes da guarda e cartolas brancas na cabeça. Não tinha escolha, seguiu a recomendação do seu guia. No final do corredor, uma sala enorme, com mais ou menos uns quarenta meninos, todos parecidos consigo, sentados, enfileirados, inertes. Parecia que todos ali já o aguardavam. Joãozinho entrou e automaticamente tomou a mesma posição dos demais.

Alguns minutos depois, entra uma senhora sapolense, trajando um fraque lilás e chapéu côco cor de burro quando foge; Mais alta que seu pai, mais gorda que sua mãe, mais feia que sua avó e parecendo mais chata que sua irmã mais nova. Foi o que ele imaginou ao vê-la entrando.

Sem nenhuma cerimônia a velha senhora iniciou seu curso de formação de futuros cidadãos sapolenses: 

-Preciso da atenção de todos vocês para o assunto que vamos tratar aqui. Hoje é um dia muito importante para a nossa escola e não quero ser interrompida em hipótese alguma. Falaremos do nosso projeto-Violência no ambiente escolar- Este é um assunto do interesse de todos, vamos afastar a violência de nossas casas, de nossas vidas e de nossa escola. De hoje em diante nenhum cidadão de Sapolândia sofrerá qualquer violência, seja física ou moral...

 _ Prof.... - Tenta Joãozinho 

 _ Pssssiu!!!!! Como dizia, todo cidadão sapolense terá o direito a voz e o direito de expressar suas idéias. Não podemos concordar com as desavenças no mundo lá fora de nosssa querida Sapolândia. Um mundo cheio de violência contra mulheres, crianças, idosos, exploração do trabalho infantil...

 _ Prof… - Continua

 _ Pssssiu! Daqui para frente vocês receberão ensinamentos que servirão para viver com dignidade neste vasto mundo de pessoas demagógicas, hipócritas e incenssíveis...

 _ Prof… - Insiste

A distinta professora explode:

 _ Assim não é  possível!!! Não vê que você está tirando a concentração dos colegas? Não consegue ficar de boca fechada? Não recebeu educação em casa? De que mundo você vem?!!! Não vê que estou aqui tentando passar conhecimentos?

Era uma enxurrada de perguntas sem tempo para respostas, que saia da boca daquela senhora tão competente e muito simpática, em direção a Joãozinho que tentava, quem sabe, fazer uma simples perguntinha.

 _ Mas como estava dizendo, antes de ser interrompida, a nossa escola é um espaço democrático, laico que não poderá deixar de ser um exemplo lá fora...

Continua insistindo:

 _ Pro..fes..so..ra, eu...

 _ Fala de uma vez! O que tem de tão importante para falar? Com você interrompendo a todo o momento não é possível ensinar a todos como viver em uma democracia sem violência. Se continuar a me interromper, o encaminharei até a sala do diretor para que este lhe dê o cargo de recepcionista que atualmente é do sapo de traje azul e cartola preta. Se não tem interesse pelos  estudos trataremos de lhe arrumar um trabalho.

Ao ouvir palavras tão ameaçadoras, Joãozinho se limitou a poucas palavras:

_ Qual é seu nome?

_ Vejam só! O tempo todo interrompendo a minha aula para se meter com a minha vida pessoal. Meu nome não é de seu interesse, trate de ficar quieto.

Quando tudo parecia desabar em sua cabeça, ouve-se o soar de uma clarineta. Era o aviso para o recreio. Ainda enfileirados, todos se dirigem para a lagoa. Sentada numa pedra está uma sapinha muito sorridente, usando uma cartola cor de rosa que trazia no topo as palavras: ”BEIJA-ME”. Joãozinho pensou: “Não deve ser pior do que ouvir aquela aula contra violência." Correu até a pedra e lascou um profundo beijo naquela sapinha e...

 _ João! Oh João! Acorda, já é noite. Olha esse sofá, cheio de migalhas de bolacha recheada!!! Anda menino, vá tomar banho, precisa descansar, amanhã reiniciam as aulas.

Joãozinho ainda sonolento resmunga:

 _ Nossa,! Ainda bem que já estou no quinto ano e me livrei da professora Matilde.

 _ Ah! E não esqueça que amanhã também já começa as aulas de reforço  com a  dona  Matilde. Completou a mãe do Joãozinho.

 _ Oh céus!!! Não era um pesadelo! 
(ano 2.000) 

Renilda Viana
Enviado por Renilda Viana em 07/05/2010
Reeditado em 10/03/2024
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