O Eterno Fenômeno
Quando multidões se reúnem num estádio de futebol, vindas dos quatro cantos do mundo, é porque há, atrás disso, um sentimento. A despeito de toda uma propaganda visando o lucro, o que conta mesmo é um sentimento maior chamado patriotismo. Estamos ali por amor ao nosso país. Queremos vê-lo representado nos pés dos nossos atletas a quem consideramos os melhores e os mais capacitados a nos dar essa alegria. Neles depositamos toda confiança. Uma copa do mundo é um evento único no panorama esportivo. Passei minha infância e juventude ouvindo falar em nomes como Pelé, Vavá, Garrincha e companhia. A adesão do brasileiro a este esporte já superou o simples ato de torcer por uma determinada equipe. O futebol movimenta uma nação inteira. Tornou-se o esporte mais popular do mundo, praticado hoje em mais de 150 países, contando 40 milhões de jogadores registrados.
Que diriam hoje aqueles inocentes pioneiros? Ao encherem uma bexiga de porco, faziam do balão oval resultante a sua pelota, envolvida em uma bolsa de couro. Ao se distraírem com isso, talvez jamais imaginassem que tão simples brincadeira resultaria no que é o futebol hoje em dia. Charles Miller, ao trazer para nós algumas bolas, acabou por criar um feitiço impossível, agora, de ser desfeito.
Ao contrário do que se pensa, não foram as classes operárias da Inglaterra que inventaram o futebol. Estátuas Chinesas já exibiam, há dois mil anos, inscrições sobre o esporte e, pinturas, também chinesas, mostravam elegantes senhoras envolvidas no jogo há mais de meio século. Tornou-se hoje em dia, na verdade, um fenômeno cultural, despertando o interesse de personalidades que, tornando-se famosas em seu campo de ação, souberam fazer uso da popularidade e do dinheiro em benefício desta atividade cativante.
O fanatismo pode ser considerado um desvio de personalidade, porquanto foge ao senso comum. Entretanto, percebemos a sua presença em diversos segmentos da sociedade. No campo religioso, por exemplo, já arrebatou vidas humanas incalculáveis. No esporte, se não chegou a causar guerras, já foi capaz de evita-las e até interrompê-las, mostrando-nos que existe um lado positivo por trás das reações em massa. Contudo, queria deixar aqui registrado o meu ponto de vista quanto à apresentação do escrete brasileiro de futebol na última copa do mundo. Por certo, ninguém esperava o resultado que, estupefatos, presenciamos. Poderia tecer aqui uma série infinita de razões que serviriam para justificar a perda vergonhosa, não só do título, pela forma como tudo se deu, mas, da confiança que, nos pés daqueles atletas, estava depositada. Purificados pelo doloroso banho de água fria, acho que refletiremos melhor, ao optar pela contenção do entusiasmo no lugar do sentimento extravasado.
Por outro lado, de forma fria e imparcial, chego a concluir que cabe a nós, torcedores, grande, senão a maior parcela de culpa pelo que aconteceu. Sentimos agora, no coração e na pele, o que é o fanatismo impensado, travestido de fé e, não menos, de endeusamento. Pensaremos duas vezes antes de emprestarmos o nosso apoio a certos tipos de craque, cujos corações saíram do peito e passaram bem longe do bico da chuteira, indo bater na tesouraria de seus clubes que, por sinal, nada possuem em comum com a pátria da maioria. Sendo assim, pouco sentido faz esforçarem-se para agradar uma multidão esperançosa e ávida de um grande espetáculo por parte deles. Infelizmente, e para nossa decepção, isto não aconteceu. Precisamos repensar nossa atitude daqui para frente. Amor à camisa, amor à pátria. Isto é o que ainda conta em qualquer espécie de competição internacional. E nós, torcedores, possuímos isto de sobra. Procuraremos, no futuro das copas, dar valor àqueles que possuem, como nós, este espírito e esta humildade.
Vamos esperar que, na África do Sul, não aconteça o mesmo. Por isso, vou torcer, mas, com moderação, acima de tudo.