COISAS DO VÍTOR

Ele é filho de um casal de amigos. Um garotinho adorável. De uma vivacidade incrível, conquista todo mundo logo de cara. Inteligente, risonho, falante, uma simpatia. Problema do Vítor? Escola! Não gosta de jeito nenhum! É uma briga todo dia. E por que não gosta? Ninguém entende. Mas ele explica direitinho: dor de cabeça, tá chovendo demais, o sol tá muito quente, um colega que bateu, professora que é brava. Mil desculpas pra cabular a aula.

Os pais já tentaram de tudo. Adularam, prometeram e negaram presente, puseram de castigo, puxaram as orelhas, encaminharam pra psicóloga. Nada funcionou. Ele não quer, porque não quer ir pra escola. Mas, vai todos os dias. Obrigado, é claro. Vai emburrado, descontente, parecendo boi a caminho do matadouro “Credo, essa vida de criança é ruim demais!”. Mas os pais não se rendem as suas lamentações. E o jeito é aguentar os choramingos de todo dia.

Eu sei a causa do embate VÍtor X escola. Todo mundo sabe: VÍtor nasceu pra viver na roça. Ele ama a fazendinha do pai. Se pudesse não arredaria pé de lá. Não quer saber de lápis, nem de caderno. Quer correr atrás dos bezerros, montar o cavalinho que ganhou, ajudar a buscar vaca no pasto. Ficar esquentando banco de escola? Coisa mais sem graça. Nasceu foi pra subir em árvore, escalar pedreira, pular em buraco. Tem a agilidade de um macaquinho. Quer rolar na terra com os cachorros. Tocaiar passarinhos, perseguir rastro de onça, descobrir esconderijo de coruja.

Vítor é mesmo meio bicho. No seu paraíso corre descalço, pisa em espinho, atola o pé na lama. Gosta mesmo é de andar nas águas rasas do riachinho. Ficar dependurado na cerca do curral pra ver o pai tirar leite. Já sabe de tudo por ali. O nome de cada vaca, a quantidade de galinhas, de patos, de perus e angolas. Sabe tudo da bicharada. Até época de plantar ele já sabe. Vive perdido nos matos. Descobre fruta nova, novidades que nem o pai sabe. Vítor é livre como o próprio vento, lá nas “suas terrinhas”, como gosta de dizer...

Então como gostar de escola? Um lugar meio triste, meio preso, meio proibido, meio torto, sem bicho, sem sol, sem nada... Ah, a escola tinha que ser bem diferente pra agradar o menino. Hora marcada, recreio pequeno, menino maior que bate nos menores, professora chata que só sabe gritar e mandar copiar do quadro? “Ai, aquele monte de coisa pra escrever, minha mão dói, pai!”. As contas? Já sabe de cabeça. Livro? Tem um montão que lê sozinho em casa, pra quê escola? “Deixa eu faltar, mãe, só hoje, a Malhada vai ter bezerrinho, eu quero tá lá...”. Inútil pedir, suplicar. A mãe não deixa.

Fim de semana. Roça na sexta, voando! Volta? Só no domingo, de preferência bem tarde da noite. Ontem, eu soube: andando com o pai pelo mato deram de frente com certa planta venenosa. O pai o alertou: “Nunca coloque essas bolinhas na boca, são venenosas, viu?”. À noite, o menino pensativo: “Pai, se eu fizer um chá daquelas bolinhas e der pro Mateus beber ele morre?”. O pai ficou surpreso: “E por que você ia querer que o Mateus morresse, meu filho?”. A carinha de vítima: “Ah, porque ele é grande, vive me batendo”. O pai intervém. “Sim, mas e a mãe dele? Você não ia ficar com dó dela?”. Ele nem pestaneja: “Ia, né, pai! Mas, a gente deixa um pouquinho do chá pra ela também, uai...”. Esse é o VÍtor com suas práticas soluções para os problemas...