SEGUNDAS INTENÇÕES
Dificilmente se vê hoje pessoas movidas pelo altruísmo. Ô palavrinha boa! Altruísmo para mim compõe uma mistura onde entram desprendimento, doação, boas intenções, generosidade, solicitude. É daquelas palavras de sentir. Tem umas palavras que nos tocam de uma forma que vai além do seu significado do dicionário. Ainda mais num tempo onde a abnegação tem se tornado uma das coisas mais raras que existem. Elas passam a ter uma espécie de substância que dá vontade de pegar e colocar no bolso, já que não dá para abrir o peito literalmente. Mas elas acabam entrando e saindo na forma de exteriorização em gestos altruístas, nesses poucos (e louvados sejam) seres.
Somos moldados desde muito cedo para agir por meio de recompensas, a partir do choro recém nascido que é acalmado com o peito, mamadeira ou colo. Depois, a satisfação de vontades e os limites que se recebe determinam o que vai ser dado em troca. Acontece principalmente na infância e adolescência. Daí para frente, está instalado o sistema de interesses. Não quero dizer com isso que mais tarde todos vão agir exclusivamente por interesses egoístas. Os interesses individuais são legítimos e aceitáveis dentro de um convívio ético. Do discernimento que cada um aprende com os recursos que lhe foram passados e com sua própria capacidade de negação e afirmação, do uso de seu livre arbítrio, é que nascem e crescem as pessoas que se desvencilham do interesse puramente particular e se propõem a uma vida de partilha, de pensar no outro e se tornam amigas, companheiras, benfeitoras. O interesse pessoal pode estar até mesmo em ser útil, de fazer a pessoa sentir-se bem sendo boa.
Do oposto do altruísmo, no entanto é que quero falar. Ele se manifesta em forma de ganância, inveja, sentimento de inferioridade, baixa estima agressiva e instabilidade emocional. Há estímulos externos que contribuem ainda mais para aumentar o peso dessas más companhias no indivíduo. Por exemplo? O apelo insistente ao sucesso pessoal que chega a tornar muita gente arrivista. Na maioria das vezes, o desejado não é propriamente o que o outro possui em termos materiais vistosos. Isso pode ser conseguido. Mas acaba sendo aquilo o que o outro é ou representa. Mesmo que não seja muita coisa, a insatisfação permanece nesse desejoso do alheio. Ele poderá conseguir tudo o que estiver ao alcance ainda assim não aplacará sua ganância, não se realizará o seu misterioso e obscuro intento. Acho que aquela velha e surrada dicotomia do ser e do ter fica balançando nessas cabeças de pouca ou nenhuma serventia para a nossa companhia. Quando as pessoas se aproximam de nós armadas até os dentes, talvez seja até mais fácil de lidar com a situação. Embora isso não as tornem menos incômodas do que quando a aproximação se dá da forma mais sutil e dissimulada que pode existir. Sabe aquela gente que se faz de amiga, de interessada em tudo na nossa vida, de uma hora para outra se apresenta como solícita e preocupada com o nosso bem estar? Pois, é: aí que mora um certo perigo quando a gente abre a guarda. Não por frouxidão, mas às vezes por boas intenções ou de pura carência. A turma do “tapinha nas costas” é, geralmente da mesma equipe que quer dar o soco, por tantos motivos insondáveis e outros mais evidentes, a ponto de suscitar aquele velho ditado “quando a esmola é demais até o santo desconfia.”