AURORA DA VIDA (RETARDADA)

Ficar velho é a coisa mais natural para algumas pessoas. Para meu amigo Ildefonso não. Reluta com todas as forças que ainda lhe restam aos sessenta e três anos. Pinta o cabelo, faz caminhadas matinais, escorraça os fumantes, só come produtos de procedência orgânica entre outras medidas geriátricas. É quase um chato, não fosse pela barriga que ainda lhe resta da vida sedentária até completar sessenta. Como se nota, é um neófito na arte de driblar a velhice. Quando teve de renovar a carteira de motorista, houve uma implicação do funcionário do DETRAN com sua cédula de identidade antiga. A foto preto-e-branco (agora amarelada) já não espelhava a realidade da face. Também fora expedida em 1970. Os algarismos - preenchidos a máquina-de-escrever, que ele diz ser Olivetti (mais moderna), porém tudo leva a crer que era uma Remington antiga, pela disposição dos tipos já gastos - foram consumidos pela fricção da capa plastificada. Como resultado, teve que ser expedida nova cédula. Tudo normal, tira foto com a nova cara de velho, colhe-se a impressão digital por um processo ainda arcaico de “tocar piano” (como dizem os marginais) e volta pra casa aguardar a data marcada no protocolo. Chegou o dia, Ildefonso quase teve aquele enfarte que vive ameaçando sua paz. Carimbaram na nova identidade MAIOR DE SESSENTA ANOS. Caiu-lhe a ficha da velheira como dizia um amigo meu de Papanduva.

- Cara, estou envelhecendo – disse-me assustado como se tivesse recebido o resultado de um exame médico, diagnosticando uma doença incurável.

- Me admiro, Ildefonso que só agora você tenha notado a síndrome do quedamento – falei tentando ser natural.

Outras coisas mais, por certo, já haviam deixado vestígio da decrepitação, bastava comparar as fotos da antiga cédula de identidade com a nova. Na velha, a cara nova; na nova a velha cara. Com a idade, começa-se a virar um misto de homem e de cachorro buldogue, além do que, surge uma papada indiscreta e exibicionista.

Ele não se dá por vencido. Quer a todo custo rejuvenescer.

E sabem da última? Ildefonso, há um ano, disse-me que resolvera se divorciar depois de trinta invernos aquecendo-se na velhinha.

- Não faça besteira Ildefonso.

Não adiantou o conselho. Ele fez a besteira. Eu soube que foi uma choradeira de filhos e filhas, netos e da velhinha inconsolável. Não é para menos. Sua fama de bom pai e esposo transpunha fronteiras e épocas.

Dizem que já arrumou uma moça nova, mãe de duas crianças

Bem, quem sou eu para criticar? Aposentadoria, só é boa para alguns. Outros são acometidos da velha máxima: “Mente desocupada, oficina do diabo”.

Oditacaré
Enviado por Oditacaré em 07/05/2010
Código do texto: T2241687
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